quinta-feira, 23 de dezembro de 2004

Governo panfletário

Hoje o Santanete-Mór escreve isto a defender o panfleto do Orçamento. Perguntas estúpidas ao Santanete-Mór (precisamos de nos fazer entender num diálogo):
1. gratuita quer dizer que está incluído nos 3.000 € que eu paguei ou nos 500 € que vem dos bolsos de um ilustre desconhecido?
2. expedito significa que se faz propaganda planfletária sem ser acusado de uso indevido de dinheiros públicos? (lembram-se de Edite Estrela?)
Só hoje tive oportunidade de ver o tal panfleto. Quando vejo aquelas fotografias lembro-me de um sketch do MAD TV chamado Lowered Expectations: o pôr do Sol, um casal de obesos a caminhar de mãos dadas em contra-luz e, por fim, o homem a picar-se no arame farpado. O que nos vale é que, parafraseando Eça nas suas Farpas, temos o Santanete-Mór como um dos mais poderosos homens da comunicação social e rimos, o Governo Governa e não gere como seria suposto e rimos, a oposição é triste e rimos. Um dia Portugal vem abaixo e nós, como não podia deixar de ser, rimos.
Continuemos a rir, porque rir é o melhor remédio.

Gestão? Qual Gestão?

Dei-me ao trabalho de consultar um diário português o DN e procurar as notícias referentes à acção governativa deste Executivo. Fiquei-me pelo DN e só pelos últimos três dias (o tempo não dá para mais e lanço aqui o repto para que outros o façam, seria interessante). Antes da lista uma pergunta, já que não tenho nenhuma formação jurídica. Alguém me explica quais são os limites de um Governo de Gestão? É que, sinceramente, este parece estar em plenas funções.

A lista, por ordem cronológica decrescente:
23.12.04
Fundo de Pensões da CGD e lucros da Galp
Para enganar a Europa e a nós.

Vencedores de Loures conhecidos até dia 15
A decisão sobre quais os consórcios que passarão à fase final do concurso para a construção do Hospital de Loures será tomada dia 15.01.05.

Inglês vai ser obrigatório a partir dos oito anos
Parece que a medida é consensual entre PS e PSD, mas a verdade é que a medida "está já a ser estudada pelo actual Executivo".

700 mil euros para projectos em Braga
"O secretário de Estado da Administração local, José Cesário, deixou ontem, no distrito de Braga, uma comparticipação de 690.452 euros, no âmbito de 19[!!!!] contratos-programa de financiamento de equipamentos..."

22.12.04
Funerárias temem fim de três mil postos de trabalho
Uma alteração legislaliva aprovada em Conselho de Ministros.

Acordo de 41 milhões de euros entre Portugal e São Tomé
Assinatura de um programa de cooperação para os próximos três anos no valor de 41 milhões de euros.

21.12.04
Contratualização do serviço publico avança em 2005
"O Governo espera ter o diploma sobre as obrigações de serviço público de transportes em aprovação no início do próximo ano..."

Novo Hospital de Braga estará concluído em 2009
Lançamento do concurso internacional para o novo hospital de Braga.

Carta imaginária

Há muito tempo que não enviamos uma carta um ao outro. Quebro a regra recentemente estabelecida. Gosto, de quando em quando, de quebrar com as rotinas.
Pensei, primeiro, escrever-te com o pretexto de uma mensagem de Natal. Mas confesso que as mensagens de Natal me incomodam, são sempre a mesma conversa de circunstância, com frases feitas e nada originais e que, tantas e tantas vezes, não são o espelho de um sincero sentimento, antes uma espécie de “Maria vai com as outras” faladas ou escritas. Postais de Natal também não podia ser, enquadram-se na mesmíssima moda de dizer que todos estamos bem uns com os outros.
Sim, é verdade que se poderia a proveitar o momento. Não creio, no entanto, que esse aproveitamento possa ser capaz de produzir genuínas alterações de espírito. São mais o reafirmar de uma hipocrisia geralmente sentida e consentida.
Por isso não te escrevo para enviar mensagem de Natal. Não me ouvirás dizer “Santo Natal e Próspero Ano Novo para ti e todos os teus” ou “Que o melhor de 2004 seja o pior de 2005”. Escrevo apenas para te escrever. Supro assim uma falta grave no meu espírito, escrever aos amigos com profundo e sentido estado de alma que me impele para os que me amam. É quase um impulso que não consigo conter. De vez em quando ele aparece e não descanso enquanto o não fizer.
Amar é, também, dizer presente. Que melhor maneira de dizer presente que umas quantas frases desgarradas de sentido óbvio? Não conheço nenhuma outra, com excepção de todas as outras. Talvez um telefonema, uma moderníssima MMS ou a antiquíssima SMS (ainda estou para descobrir o significado de ambas as siglas - será que importa?), um café e/ou um passeio com o pretexto da prenda, um jantar num qualquer restaurante oriental onde podemos saborear aquele fantástico “sumo nananja chinês” ou um “Pato à Pequim” que de Pequim só mesmo o nome (talvez do pato também, mas também não quero saber) ou um simples encontro no adro da Igreja para uma saudável troca de olhares cúmplices, mas não muito. Tudo para uma conversa de circunstância “Estás bom(boa)?” ou, à brasileira, “Tudo bem contigo?”, “A família?”, “Então adeus! Santo Natal e Bom Ano Novo!”.
Quero muito mais que isso, e o muito mais que isso solta-se num voar de dedos pelas teclas de um qualquer teclado onde quer que ele esteja. Aqui, na China, no Japão, nos Estados Unidos da América do Norte, na Índia, no Cazaquistão a solidão combate-se conversando com o eternamente ouvinte e sempre calado teclado. Depois esperamos que um vírus se abata sobre nós, que não haja qualquer cura já encontrada nos médico-programas, e tudo se vá tal como veio – depressa. Sempre é melhor sorte para um ficheiro que o delete, muito mais voluntário, logo terrivelmente assustador para a consciência bem formada que possuimos. Este sentimento estranho de querermos o que não queremos, de nos dedicarmos horas a fio a uma escrita cuja sorte está ao acaso de uma tecla – o delete – é estranha. Acontece recorrentemente e nada há que possamos fazer. Pergunto-me como fariam os antigos. Atirariam o papiro ao fogo dos deuses? Raspariam o pergaminho para que pudesse ser usado novamente em qualquer outra carta bem mais importante? Ou simplesmente não viviam sós, mortinhos por afogar a penosa solidão numa qualquer carta? Não tenho resposta ou não a quero encontrar.
Concluo: somos sós acompanhados por uma multidão. Contradição absoluta, mas paradoxalmente verdadeira. Perdemos a capacidade de conversar uns com os outros. E os outros passam por nós, vivem em nós e depois desaparecem por circunstâncias que não controlamos e que, vá-se lá saber porquê, existem. Porque existem os esposos? Porque existe a noção de espaço e tempo? Porque sentimos o espaço como o mais grave impedimento? Porque existe tempo e o olhamos como algo que acaba instataneamente? Existem porque existem, nada posso fazer. Excepto escrever-te, a ti, amigo que já foste.

P.S.: Santo Natal e que o melhor de 2004 seja o pior de 2005.

terça-feira, 21 de dezembro de 2004

"Nevoeiro"

Pessoa_2

Tenho andado a trabalhar sobre as obras de Pessoa. Quero constituir uma colecção completa das suas obras para posterior publicação em Catálogo. Não posso deixar de partilhar a (re)leitura de Mensagem. Que texto mais apropriado para o momento político que vivemos senão este?

"Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és Nevoeiro...

É a Hora!"

in Mensagem, Lisboa, Edições Ática, 1963, p. 104

quinta-feira, 16 de dezembro de 2004

Os portugueses vistos por Pessoa

Pessoa
Eis um belíssimo retrato de nós próprios. É pena que em Portugal haja pouca gente com esta capacidade de se analisar a si próprio antes de olhar para os outros, não admira que Pessoa tenha sido, na verdade, um estrangeiro no seu próprio país.

"Porque o facto significativo acerca dos portugueses é que eles são o povo mais civilizado da Europa. Eles nascem civilizados porque nascem aceitadores de tudo. Neles nada há do que os antigos psiquiatras costumavam chamar misoneísmo, o que significa apenas ódio às coisas novas; gostam francamente de mudar e do que é novo. Não possuem elementos estáveis, como os franceses, que só fazem revoluções para exportação.
Os portugueses estão sempre a fazer revoluções. Quando um português se vai deitar faz uma revolução porque o português que acorda na manhã seguinte é diferente. É precisamente um dia mais velho, um dia mais velho sem dúvida nenhuma. Outros povos acordam todas as manhãs no dia de ontem; o amanhã está sempre a vários anos de distância. Mas não esta tão estranha gente. Move-se tão rapidamente que deixa tudo por fazer, incluindo ir depressa. Não há nada menos ocioso que um português. A
única parte ociosa do país é a que trabalha. Daí a sua falta de evidente progresso."
Álvaro de Campos, Fragmentos in LANCASTRE, Maria José de, Fernando Pessoa Uma Fotobiografia, p.33