Diário de um Pai, 27 de Julho de 2006
Ontem foi o dia dos Avós. Não o comemorámos de forma especial. Os Avós fazem parte da vida dos meninos desde o primeiro dia. Os Avós paternos são os que nos têm ajudado socorrendo quando é preciso, mimando sempre para que os pais depois sofram, estando também quando não é preciso, querendo mostrar-se mais solícitos do que na verdade era necessário. A Avó materna aparece por cá, quer-lhes pegar sob qualquer pretexto, dar um biberão, simplesmente pegar, olhá-los, tocá-los. Não tem muito jeito para a coisa, mas a sua vontade de os amar é tanta que isso, por si só, é suficiente para ultrapasar todas as dificuldades.
Eu só conheci o meu Avô paterno e a minha Avó materna. Ambos já Deus os chamou e não posso deixar de os recordar com saudade. O meu Avô paterno faleceu tinha eu cerca de 12 anos. Foi com ele que me ensinou os prazeres de um bom bacalhau regado com azetite a transbordar do prato. Era um momento de grande intimidade entre os dois. Depois de eu despachar o meu prato, puxava-me para o seu colo e dava-se ao trabalho de partir o pão, molhá-lo no azeite e dar-me-o quase à boca. Foi com ele que fiz grandes passeios pelos jardins de Queluz aprendendo os encantos da observação. E foi também com ele que, pela primeira vez, interroguei o sentido da morte. Chorei pela primeira vez com a dor da morte e percebi claramente que não mais o iria ver senão na minha memória.
Com a minha Avó materna aprendi os encantos do estômago. Era ajudante de pasteleira na Castanheira (os mais velhos desta cidade de Lisboa devem lembrar-se da Pastelaria). Passei tardes inteiras no meio das massas, ovos, tortas, bolas de berlim, bolos de aniversário avaliadas com o toque de um dedo furtivamente levado à boca. Com ela, já mais velho, compreendi o verdadeiro significado de ser Avó. É como que um renascer de uma vida dura que as rugas não deixam esquecer. É como que voltar atrás no tempo para reparar feridas antigas, mimos que se deram a menos, palmadas que se deram a mais. E agora, muito mais pacientes do que foram com os filhos por já livres do seu encargo, das pressões do sustento, dos afazeres da vida, entegam-se simplesmente ao amor pelos netos. Faleceu há cerca de 5 anos. Chorei ainda mais que na morte do meu Avô paterno. Talvez porque agora ainda mais consciente dela.
Um dia, se Deus quiser, serei Avô e poderei experimentar o prazer de o ser.
Ontem também foi dia da primeira consulta dos meninos. Confesso que me fez enorme confusão vê-los a ser examinados daquela maneira. Ela é atirar com os meninos, é levantá-los pelas pernas, é deixá-los chorar. Eu sei lá. A ideia de fragilidade dos meninos, passou a certeza de que são muito mais rijos que aparentam.
Tivemos ordem de soltura. É tempo de começar a passearmos os quatro. É tempo de eu lhes começar a mostrar o mundo, ao meu mundo, esperando que eles me mostrem que afinal, existe outro que eu não conheço.