quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

Ao Serviço de Portugal



Num tempo em que as notícias de guerra, terrorismo, homicídios, maus tratos e violência dominam a imprensa escrita, falada e vista, recordo esta fotografia que obti em Belém, no muro em que se procura homenagear os soldados portugueses falecidos na Guerra do Ultramar.

Todos nós conhecemos alguém que por lá passou. Nossos Pais, nossos Tios, familiares de qualquer grau, amigos, atravessam-nos com histórias de uma paisagem bela horrorizadas pelas manchas de sangue derramadas. Alguns recordam com saudade esse tempo que jamais reviverão, outros, pelo contrário, querem apagar do livro das suas memórias os episódios mais traumatizantes da sua vida.

Por esse mundo fora multiplicam-se muros como este. São vidas espalmadas num desenho a duas dimensões que para mais nada serve senão para acalmar consciências. Em Portugal poucos reparam neste muro contíguo a um quartel, timidamente guardado por dois soldados que vagarosamente, de quando em vez, cruzam os olhares e os caminhos como se a vida daqueles que morreram e que os vigiam no anonimato de um nome desconhecido para quase todos tivesse sido perdida com a mesma velocidade. Esquecemos que a grande maioria não sabe porque nem como morreu.

Ao mesmo tempo que escrevo estas palavras oiço a Sonata ao Luar - Patética de Beethoven (Sonata n.º 8 em Dó Menor, Op. 13). O extremo romantismo transmitido por aquelas notas de sentimentos contraditórios de felicidade, amor, paixão arrebatadora e, ao mesmo tempo, de dor, infelicidade e comiseração de quem olha a Lua fizeram-me lembrar as histórias de meu Pai no Ultramar. Histórias felizes de caçadas na reserva da Gorongosa, camaradagem, gargalhadas, episódios caricatos, encontros com um espaço que ainda é nosso no coração. Mas, na mesma medida em que a tristeza, a dor e o desespero se apoderaram de Beethoven, também me recordo das histórias horrorizantes de um Tio que viu desaparecer camaradas seus enquanto corriam ao seu lado para uma trincheira.

Era bom que aquele muro nos fizesse recordar mais que anónimos nomes desconhecidos quando por ali passamos.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2006

Linha do Oeste


































Carreira 28

Já tem um ano e meio esta série de fotos que tirei numa jornada fotográfica com o meu cunhado pela Carreira do Eléctrico 28.

Trabalho num local de passagem desta carreira e ela sempre me fascinou, não só pela nostalgia do eléctrico, mas, principalmente, porque percorrer a Carreira desde os Prazeres até ao Martim Moniz é, de alguma forma, percorrer a síntese de uma cidade que parece viver anacronicamente.

É este anacronismo de uma cidade que quer ser grande, mas que nunca dexará de ser pequena o grande encanto da Carreira. Por um lado a mesma tecnologia que no início do século transportou milhares de operários, jardineiros, governantas e mordomos, espelhado nas roupas que ainda se estendem na janela da frente, nas frutas e legumes que se ostentam na Mercearia do Sr. Alfredo, no amolador que calcorreia a cidade com a sua pedra movida à força de um pé que conhece cada pedra da calçada pisada, nos característicos marcos do correio vermelhos que ainda hoje recebem no seu interior as cartas de amor escondidas numa caixa. Por outro são os carros apressados empatados pela lentidão da carruagem, as pessoas que precisam de chegar a horas à porta do Colégio do menino, os jovens que falam da internet, computadores e Playstation.

No meio de tudo isto, misturam-se fascinados pelo bucolismo do ambiente os turistas que, sem saber porquê, se deixam encantar por um lugar onde ainda se pode ir a uma tasca beber uma taça de tinto, onde ainda é possível ver amoladores de rua, onde ainda se vê casas de porta aberta à espera da vizinha de baixo a pedir um pouco de azeite que deixou acabar.

Às vezes penso como gostaria de viver numa outra cidade, mais cosmopolita, moderna, capaz de nos dar o conforto de um mundo evoluído. Mas outras vezes, é precisamente a inexistência de todas essas coisas que me faz amar cada vez mais esta cidade.

Carreira 28 - Eléctrico









Carreira 28 - Anacronismo

Carreira 28 - Coisas que se vêem