quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

Vivo

- como está?
- vivo.
responde sempre da mesma forma. a vida passou por ele. não vive mais. espera a morte. sereno. o rosto marcado com vales dos rios e afluentes de muitas lágrimas não derramadas mas sentidas. um homem não chora. e no entanto
- vivo
como se aquela vida se resumisse agora às lágrimas que a aproximação da morte lhe deixa. foi Pupilo. demasiado civil para ser militar. demasiado militar para ser civil. um soldado não chora. e no entanto
- vivo
não vê. praticamente cego. ceifado que foi da sua maior paixão – a leitura – já nada mais importa. já só a morte espera. e no entanto
- vivo
como que gritando ao mundo para o deixarem viver. ler. olhar uma vez mais para as páginas do seu Amaro. do seu Basílio. do seu Mandarim. do seu peixe pescado em elevador de copa. dos seus incestos. das ironias farposas. tentou escrever. mas comparou-se. não podia deixar de o fazer. e escondeu a sua pequenez comparada na grandiosidade de quem lia com avidez. esquecendo que a sua grandiosidade está nas histórias que me repete esperando um particular interesse. histórias cheias de futilidades de uma vida tão rica quanto banal. simples. igual a tantas outras vidas. e no entanto são essas histórias de um passado que sabe não voltar que permitem que diga
- vivo
a cada vez que lhe pergunto
- como está?
responde sorrindo
- vivo
como que a dizer que vivo já foi e que morto não está. já não a razão manda. continua a comprar livros que ler não pode. a querer que uma imagem desfocada o faça recordar as exactas palavras que Eça deixou escritas. estupidez. admite. não vê. praticamente cego. e ainda assim eu o compreendo não compreendendo as razões de tal compreensão. talvez compaixão. talvez amor. talvez nada. mas compreendo com a compreensão de um dia não ficar assim. agarrado à única coisa que permite diga
- vivo
coisa que já foi mas não é mais. agora é peripécias maldosas de Pupilo. praxes a colegas. partidas a professores. ou o incómodo que lhe causou Basílio. e no entanto
- vivo
como qual primo gritasse pelas ruas de Lisboa
- a ela, a ela como Santiago aos Mouros
sendo a ela não a prima de quem Basílio era primo. mas uma morte que teima em o deixar vivo.
um dia chegará que não mais dirá
- vivo
para dizer nada. e nessa altura recordá-lo-ei com a simpatia de um jovem que pensa não morrer nunca Pai de outros dois que nem sequer na vida pensam e portanto não poderão dizer
- vivo
e chegará o dia quando eles pensarem que a vida é um tempo que não mais acaba que terei um história para contar. a história de um homem que comigo se cruzou por um mero acaso literário e que me respondia sempre
- vivo.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

Diário de um Pai - ... que também é marido.

- estou atrasado.
abri a porta. os meninos estavam serenos. muito mais serenos que o costume. adivinhavam. dei-lhes um beijo que não era só meu. sorriram com aquele sorriso que nos faz esquecer todos os tormentos de uma vida levada a correr. fiquei ali um pouco. queria vê-los. agarrá-los ao colinho do mimo e deixá-los ali até que adormecessem.
- estou atrasado.
subi. o vapor do banho quente deixava uma névoa pela casa de banho. como meu D. Sebastião apareces-te ainda despida. sorris-te. sorri. o impulso do corpo empurrou-me de encontro ao teu. abracei-te. beijei-te a testa.
- estou quase pronta.
é o que respondes sempre. estás despida. o vestido vermelho de seda está pendurado no cabide do quarto. os sapatos ainda não foram escolhidos. o pincel. a esponja da base. o baton. o rímel. qual Pollock pegas num. largas outro. veloz. decidida. deixas que a abstracção da cor te ilumine o rosto. escovas o cabelo com os dedos que eu quis ser. e fui. fechaste os olhos. encostaste a cabeça ao meu regaço. deixaste-te ali ficar por instantes. sempre te entregaste assim. toda como és. e me obrigaste a cuidar de ti. num mimo que agora é todo deles.
- estou quase pronta.
num quase que nunca é quase. que é muito pouco quase. que é quase tudo. estás despida. e respondo com um sorriso. como sempre faço quando
- estamos atrasados.
- estou quase pronta.
mas hoje não. hoje não me aborreço. não sorrio irónico. sorrio-te com um amor que sempre te tive. que sempre te terei. que sempre quis dar e tão só contigo encontrei a quem.
- estamos atrasados.
entro no duche como nunca quero. apressado. gosto que a água caindo entre em mim para que eu entre em mim com ela. querendo tantas vezes que sejas a água. que vás caindo pelo meu corpo. suave mas decidida. quente. amante.
- estou atrasado.
apresso-me. desfaço a barba. ponho os cremes. visto a camisa.
- estou pronta.
estás mesmo. ajudas-me a ajeitar o laço. pões o cachecol pelo pescoço. vestes-me o sobretudo. pelo espelho. pelo canto do olho procuro-te. apenas consigo vislumbrar luz. cor. intensidade. pego-te pelo braço. ponho-te à minha frente. estás linda. és linda. como sempre foste. escondida por entre os biberons. as fraldas. a loiça da cozinha. o fogão. o trabalho. nos nossos encontros tão breves quanto intensos em bares repletos de amigos que sempre me invejaram. na escuridão de um olhar que é só nosso. és linda.
- estamos prontos.
- divirtam-se.
os meninos dormem a noite toda. algum problema liga. está aqui tudo.
- divirtam-se.
bem quero. não consigo esquecê-los. ainda agora estou com eles e já não os quero largar. deixar. tu igual. pior que eu.
- divirtam-se.
olhei-te. fomos. ansiosos. porque nos reencontramos os dois. porque os deixamos. a noite é por nossa conta. mas na nossa conta lá estão eles. impossível de os apagar mesmo que por momentos. ainda assim fomos. ansiosos.

as colunas são sempre as mesmas. e a sua história tão grande que sempre diferentes dizem-me sempre algo novo. hoje diziam
- estás linda.
deste-me o braço. feliz por ali estares. por ali estarmos os dois. não outros dois quaisquer. nós dois. senti-me o centro das atenções. eu deslumbrava-te. tu deslumbravas-me. um deslumbre impossível de não reparar de tão grande. reparei na inveja dos homens que me olhavam
- é linda.
primeiro pecado mortal. é escândalo o que fazemos. segundo pecado mortal. és linda. estás linda. levanto o peito orgulhoso. terceiro pecado mortal. que seja. que a morte me leve agora para os confins do Inferno que lá arderei com deleite ainda antes de chegar ao sétimo pecado mortal. deleite de te ter tido. de te ter conhecido. de te ter amado. de ser amado. subimos.
- estás linda.
subimos. segurei-te numa mão. levantavas com a outra o vestido. guardei o melhor lugar para ti. porque só mereces o melhor. enquanto o espectáculo durou não consegui tirar os olhos de ti. absorvida que estavas pela voz doce e forte do Scholl choraste. sorriste. ficaste melancólica. alegre. todo um turbilhão de emoções que sentimos quando ouvimos a mesma voz em casa agora exacerbados pelo calor de o ter ali bem perto. com a certeza que afinal existe mesmo. é real aquela voz de deus. fui eu quem te deu a conhecer esta voz. recordo. estavas renitente. mas ainda assim abriste o espírito não para que o Scholl entrasse no teu coração. mas porque eu que já o tinha invadido. que era já o seu único dono. ouvias todas as minhas explicações. o meu entusiasmo quase delirante por tão grande voz. não tanto deslumbrada por ela. mas mais por mim. e eu que tanto dele gosto. praticamente não ouvi.

vais dizer
- amei.
e disseste. toquei.
- boa noite.
entrámos. levaram-nos para o bar enquanto preparavam a mesa. pediste um sumo de laranja. eu um vodka martini. não porque quisesse parecer um espião galã. mas simplesmente porque gosto. enquanto preparava as bebidas o barman olhou-te.
- é linda.
e olhou-me. a inveja. coisa feia. sorri desportivamente. subimos. o ambiente a meia luz. de um amarelo quente que favorecia o vermelho do teu vestido. a luz do teu rosto. jantámos tranquilamente. falamos de tudo e de nada. pequenas futilidades da vida. os amigos. o espectáculo. e nem uma palavra sobre os meninos. estás a conseguir. e eu também. não esquecer. porque não se esquecem. mas a deixar que nós e apenas nós sejamos donos do momento. levei-te até ao Guincho. bem sei o quanto gostas de ver a lua a fazer o mar brilhar. e nem sequer suspeitas que hoje. mesmo com a lua cheia. não é o mar que brilha. o carro deslocava-se com vagar. chegámos ao hotel. o recepcionista olhou-te
- é linda.
sorri. levei-te pelo braço. deixaste-te vir. tranquila. serena. entegando-te como nunca o tinhas feito antes. e eu recebi-te. amei-te. mimei-te por entre um beijo. sussurro. suspiro.
- és linda.

quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Eu sou pelo NÃO a estes bloguistas

Diário de um Pai - desconheço-o

cheguei cedo. não tão cedo quanto gostaria. mas mais cedo que o habitual. muito mais cedo que o habitual. e ainda assim não vos encontrei. haverá um dia em que dirão
- desconheço-o
são milhões de palavras que todos os dias leio. centenas de lombadas. capas de brochura. encadernações em marroquim vermelho. meias amador de pele. primeiras ou últimas edições. segundas. terceiras. tiragens especiais de meia dúzia de exemplares. ou de milhares. tudo isso me absorve o dia. o suga vorazmente sem que dê conta. e eu com ele. desaparecido com o folheto que se esconde por entre as grandes lombadas.
- desconheço-o
como a lua desconhece o dia. todos os dias ela espreita. quer conhecer o sol. abraçá-lo. dizer-lhe que o ama. dizer-lhe olá. eu sou a lua. eu sei que és o sol. há uma infinidade de tempo que te quero conhecer. mas chega sempre tarde. já o sol se foi. já o dia se apagou. já a noite caiu. e com ela a lua. triste. melancólica.
- desconheço-o
tento. sofro de manhã quando parto. sofro à noite quando chego. queria conhecerem-me. desconhecem-me. queria um só beijo dissesse quem sou. queria um só sussurro fosse fotografia que guardam na memória. queria uma só carícia me revelasse.
- desconheço-o
e não sabem que me esforço para vos dar tudo. e ali estão a prová-lo. o leite. as fraldas. a senhora que estudou oito anos. o colégio. o desporto. os livros. os brinquedos. e tudo afinal é tão pouco. falto eu. faltam-me a mim. a mim me fogem. são a lua do meu dia que me quer conhecer e não consegue. de quem fujo sempre. sem que o queira. simplesmente fujo com as lombadas. o marroquim vermelho. a meia amador de pele. levam-me. não quero. mas vou. tenho de ir. se não for não haverá o leite. nem as fraldas. nem a senhora que estudou oito anos.
- quem é mãmã?
sou eu. parte de vós. vós parte de mim. e ainda assim.
- desconheço-o
a mãmã ali está. todos os dias. todas as noites. todos os milímetros de vós. invejo-a. pecado mortal. preparai as portas do Inferno que para lá irei com gosto. invejo-a. que seja pecado. que me atormente a eternidade. invejo-a.
- quem é mãmã?
- desconheço-o.

terça-feira, 28 de novembro de 2006

Diário de um Pai - Vacinas

vai chorar. vai doer. dói-nos a nós. no fim acabam por se mostrar mais homens que eu. choramingam. já chegou a nem ser isso. nada. absolutamente nada. talvez mais velhos lhes custe mais. a consciência do que vão fazer impedi-los-à de querer ir. ou pelo menos manifestarão a vontade de não querer ir.
vou desmaiar. era assim que avisava a enfermeira quando se preparava para me dar a vacina. vou desmaiar. nem olhava. não queria ver. respirava fundo. procurava abstrair-me. não abstraía. é como iman. atrai. não queria olhar. mas olhava. vou desmaiar. não vais nada. vou desmaiar. comeste? comi. vou desmaiar. irritava aquilo. tenho a certeza que irritava. vou desmaiar. já está e não desmaiaste.
na escola. dia de vacinas. não custa nada. olhava para os colegas e as colegas mais nervosos e dizia. não custa nada. procurava distraí-los. não custa nada. disfarçava com isso o meu nervosismo que só alguns percebiam. vou desmaiar. não custa nada. havia os fortes. de peito levantado. olhar de frente para a enfermeira. olhar de esguelha para as miúdas. não custa nada. havia os indiferentes. tinha de ser. não valia a pena lamentar. e como também não gostavam. não merecia levantar o peito. não custa nada. havia os que tremiam ainda antes de se levantarem da cama. vou desmaiar. não custa nada.
sorrir. no fim todos sorriam. foi dia sem uma das aulas. foi dia livre. pudemos ir jogar à bola. conversar. ler o jornal que orgulhosamente se ostentava para fazer figura de intelectual. ninguém desmaiou. não custou nada. e todos nos divertimos no fim.
não estarei lá. dói-nos mais a nós vê-los serem picados. são mais homens que nós. logo irei saber que se portaram bem. serão fortes. e eu não estarei lá para ver mais um milímetro que passa. eles contar-me-ão logo no banhinho. e eu irei ficar a saber que são mais homens que eu.

quarta-feira, 22 de novembro de 2006

Recordar a minha Avó

- Parabéns Avó.
hoje comemora-se o nascimento de minha Mãe.
- Parabéns Avó.
no caminho para o escritório lembrei-me de si. tenho saudade. lembra-se dos bolos que comi. das massas que mexi. dos brinquedos que me deu. do mimo e atenção que me dedicou? eu lembro.
hoje olho para a sua filha. minha Mãe. Avó dos meus filhos. e a minha esperteza de criança pedindo-lhe o que a sua filha não me queria dar. a Avó dava. às escondidas para que a sua filha só visse depois de eu já ter o brinquedo na mão.
- Parabéns Avó.
faz hoje cinquenta e dois anos que a Avó deu à luz sua filha. minha Mãe. e todo o seu percurso de vida feito de enxadas. terra cavada. vinda para Lisboa. tabuleiros de bolos. massas. ovos. cremes. subir e descer aquelas escadas da fábrica de bolos Castanheira. oferecer-me a chave do frigorífico para tirar umas fatias de torta. aquela torta que eu mais gostava. os estrunfes. os legos. os carrinhos. o dinheiro no Natal que escrupulosamente colocava num envelope na árvore lá de casa. os almoços. os jantares nos restaurantes. os copos de vinho que nunca dispensou. os risos que me provocou. as dores por que passou enfiada dias. meses. em camas fechadas ao mundo. encarceradas no espectáculo da dor. do sofrimento. enquanto senhoras de branco. homens de branco. tudo de branco. se passeavam por entre corredores de branco imunes. às vezes até indiferentes a essa dor. as operações. as melhoras. as pioras. por fim uma vida nova. um renascimento. para afinal o seu percurso de vida terminar como o de toda a gente. sete palmos debaixo de terra. choro. dor. tenho saudade.
- Parabéns Avó.
hoje sua filha. minha Mãe. é a Avó. e eu sua filha. os meus filhos vão crescendo com sua filha a querer ser a Avó. eu a querer ser a sua filha. os mesmos bonecos que eu não quero dar. escondidos de mim até se revelarem nas mãozinhas que seguram alegres pela conquista. lembro-me de mim. não posso ralhar. tenho saudade.
- Parabéns Avó.
queria que estivesse aqui. para dar os brinquedos que eu não quero dar. a somar aos brinquedos que sua filha. minha Mãe dá. dariam muitos brinquedos. muitos envelopes na árvore lá de casa. e muita alegria. tenho saudade Avó. tenho saudade.

segunda-feira, 20 de novembro de 2006

Diário de um Pai - A primeira papa

domingo. estava já tudo preparado para a primeira papa. foi um pouco mais cedo do que o marcado pela pediatra para que eu pudesse estar lá. queria estar lá. estive lá. mais uma fase da vida dos meninos que passa por nós sem que demos muita conta. olhamos para o lado e mais um milímetro passou.
de manhã à Missa na minha Paróquia de origem. chegados a casa preparámos tudo para o grande acontecimento. a Mamã insistiu com a máquina fotográfica. tirou uma foto. eu e o "Quico". começou bem. agarrou-se à papa com unhas e dentes. literalmente. preciso se apurar a técnica de lhe segurar na mão para não ir ao encontro da colher. "Come a papa, Joana come a papa...". não. não cantei. mas apeteceu. lembrei-me das figuras ridículas dos pais e dos traumas infatis.
o Bernardo ficou com a Mamã. comeu melhor que o maninho. o Francisco quis comer papa como mama biberon. não resulta. claro. choro aqui e ali apenas calado com a rolha da tetina que de vez em quando se metia para o ir habituando à mudança. comeram tudo. a papa e o resto do biberon. hoje há mais do mesmo. mas não estarei lá. infelizmente. a Mamã ficará com essa memória para si. é desvantagem esta de estar a trabalhar. tem de ser.
penso muitas vezes na desvantagem de ser Pai. para as mulheres é processo biológico esse o da ligação às crianças. aos seus filhos que viram nascer. aos seus filhos que sentiram crescer. aos seus filhos que lhes custou a fazer nascer. nós. ao contrário. é processo mental que muitas mulheres também esquecem. para nós a relação com os filhos é criada como se fosse uma outra qualquer relação humana. é uma interiorização de que aqueles e não outros são. de facto. nossos filhos. e pensar que aqueles são os nossos filhos não é fácil. principalmente quando não possuímos a graça de os poder amamentar. de os poder carregar no nosso ventre. de os poder trazer ao mundo. por isso é tão importante para mim estar lá nestes pequenos momentos. foi a forma que encontrei de colmatar a falha de não ser mulher. parêntisis. não interpretar mal. fim de parêntisis. e assim vou criando a minha relação com eles de Pai. de figura importante na vida deles. mas hoje não estarei lá. lamento.
estou certo que quando crescerem. quando adquirirem outras capacidades humanas que hoje não possuem. poderão até olhar para o Pai como uma figura igualmente importante na sua vida. ou até mais. mas agora. nesta fase. estou claramente em desvantagem. não estou lá. lamento.

quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Diário de um Pai, 16 de Novembro

segunda feira. pediatra. aquela senhora que passou oito anos a estudar mais uns quantos durante o exercício da profissão e que por causa disso me leva uma pipa de massa da conta bancária todos os meses com o pretexto de cuidar da saúde dos meus filhos. parece-me sempre dinheiro muitíssimo bem empregue. mas não deixa de custar. estão óptimos os meninos. percentil 50/75. papas daqui a dez dias. vai ser lindo. já encomendei aventais para mim e para a Mãmã e dois babetes de tamanho XXL para os meninos. a nova cozinha irá conhecer nova iguaria. salpicos de papa pela parede chão e tecto adocicada com caretas à la carte produzidas directamente pelas lindas faces do Quico e Bernardo. pequeno parêntisis. Quico. novo diminutivo para evitar o vulgaríssimo “Chico” que é nome de macaco e de marca de biberons. fim de pequeno parêntisis. pode ser que não. a experiência promete. imagino o albúm das recordações que eu nunca tive com legenda “a minha primeira papa” por baixo da foto que zelosamente os papás lhes tiram. o pior é que o papá não é muito dado a esses “clic-clac’s”. prefere guardar nas raízes da sua memória esses momentos. como se só ele fosse o detentor da nossa memória. egoísta.
tranquilidade. foi isso que os meninos deixaram durante a consulta. despidos. tal como vieram ao mundo. não só da roupa. pareceu-me que até de preconceitos. deixaram facilmente que a senhora que passou oito anos a estudar lhes mexesse sem soltar um único som menos agradável. a senhora que passou oito anos a estudar diz que é da maior serenidade dos papás. principalmente da Mãmã que andava muito nervosa. o Papá sempre se revelou tranquilo. recordo a penúltima consulta. o “Quico” a berrar desalmadamente e o Papá conversando com ele como se o mundo se prolongasse indefinidamente. o “Quico” acabou por se acalmar. nesta última foi quase igual. não porque lhe apetecesse simplesmente refilar mas porque lhe deu dor aguda vá-se lá saber do quê. consolei-o. acalmou novamente. e lá ouvi a senhora que passou oito anos a estudar a dizer que o Papá tinha muita paciência.
paciência. tem limites. passamos o resto do dia nas compras. e eles sempre acordados. para o fim já nem o embalo do automóvel os fazia fechar o olho. chegados a casa o Papá dedicou-se ao bricolage pendurando os cortinados depois de lhes ter dado o biberon. arrotados. fraldinha mudada. fraldinha nas mãos. chuchinha na boca. prontos para dormir um grande soninho. o Papá sempre ao seu lado. conversava com eles enquanto a Mamã decidiu ir ao Intermarché fazer compras para o jantar de aniversário da Tia no dia seguinte. até que o volume do palrar transformou o palrar em birra profunda. o Papá lá foi. acalmou como pôde. nada resultou. como colinho estava fora de questão a solução foi ali ao lado ouvi-los berrar. até que o sono tomou conta da excitação e adormeceram. foi noite santa. como sempre nos deram. desde a nascença que aqueles meninos nos deixaram dormir “bem”. bem entendido este “bem” pelas Mamãs e Papás espalhados por este mundo fora.
terça-feira. dia de aniversário da Tia. trabalho para o Pai. chegado a casa. enquanto a Mãmã preparava a cerimónia cheia de pompa e circunstância. isto da arte de bem receber dá muito trabalho. o Papá lá foi todo vaidoso para dar o banhinho aos dois. já não fazia isso. dar banho aos dois sozinho. desde que a Mãmã tinha regressado do Hospital. sempre passou a ser repartido. o Papá a aquecer a aguinha. verificar a temperatura. ligar o aquecimento para que nada os atormentasse. pegar no pijaminha. preparar os biberons. medicamentos. cremes. fraldas. todo esse arsenal de coisas que é preciso. a Mãmã de volta da entrada. da sopa. do prato principal. da sobremesa. e o Papá cheio de alegria por poder estar com os meninos. há muito que o banho é dado com toda a calma do mundo. mas desde que o Papá regressou ao trabalho que o aproveita para pôr a conversa em dia. conta-lhes o seu dia. quer saber do deles. e eles ouvem e falam. e mesmo que o Papá não perceba patavina do que estão para ali a dizer. e muito menos eles o palavreado complexo e estranho que ele fala. prestamos toda a atenção uns aos outros. e assim nos ficamos a conhecer melhor. enquanto estou a dar o biberon ao Bernardo e a Mãmã faz pausa na pompa circunstancial do jantar para o Francisco dou conta das figuras ridículas que um adulto faz diante de uma criança com quatro meses. que conviniente eles não se lembrarem. Deus até nisso é bom para com os homens. lembrou-se de não nos dar a memória das figurinhas de nossos Pais. seria trauma para a vida inteira. e já chegam os maus tratos. as violações. a fome. a precaridade da saúde e da higiéne com que tantas crianças vivem por esse mundo fora.
é benção que adquire cada vez maior importância esta de ser Pai. mimar é a palavra chave. por isso tantas vezes me questiono se a minha dureza e disciplina que lhes procuro impregnar desde o seu nascimento não será fardo pesado demais. ao mesmo tempo procuro não ceder à tentação do lugar comum “são crianças”. procuro a medida de todas as coisas que é o bom senso e acima de tudo aquilo que afinal nos faz quebrar perante um sorriso doce. amor. e amar não é apenas mimar. é também ralhar quando necessário.

quinta-feira, 9 de novembro de 2006

Diário de um Pai, regresso

Meninos-Ago.2006


regresso. tentar voltar ao ventre materno depois de lá termos saído passados dezenas de anos. é inútil, portanto. a nossa vida nunca mais será a mesma depois de um dia como aquele. não chorei. não ri. apenas sorri. chorar eleva a alma aos mais profundos sons da tristeza. ecos do soluçar. pingar de lágrimas. rir atira-nos por terra. todos os músculos presos a mexerem-se num estado de êxtase elevadíssimo. sorrir. parado entre o rir e o chorar. entre a felicidade suprema de uma vida nova que aí vem e a aceitação intrínseca de que essa mesma vida nova tem infelicidades profundas.
não mais tenho podido vir a este espaço. nem a nenhum outro que saia fora das quatro paredes criadas pelos meus filhos. ou das outras quatro paredes que entretanto adquirimos para lá poderem caber as deles. caixotes. caixas. caixinhas. vidas inteiras que se constroem em tantos pequenos nadas e em outros tantos pequenos lugares agora concentrados num conjunto quase interminável de cartão. o castanho passa a dominar as nossas vidas durante um grande período de tempo. é inevitável não pensar que afinal o Rossio cabe na Betesga. como foi possível juntar tanta inutilidade durante apenas seis anos de vida? tanto foi que agora a mesma tanta inutilidade se vai adicionar a outra tanta que há-de vir vindo de mansinho. atira isso pela janela! não atiro que foi o primo do vizinho da tia-avó da senhora que nos ofereceu. tem valor sentimental. serve ou não serve? ah! lá estás tu. não serve para nada. ainda assim é emparedado de castanho junto com outros tantos sentimentos. e com isto se passam dias. semanas. meses. quem sabe anos. os filhos chegarão a casa de bivaque e o castanho ainda imperará nas quatro novas já velhas paredes que levam as paredes criadas pelos meninos já homens. não tenho podido vir a este espaço. nem a nenhum outro... a culpa é das paredes.
das primeiras. das criadas pelos meninos que ainda virão castanho quando forem homens digo-vos a seguir.
crescer. acto de ficar maior inversamente proporcional ao tempo que eu passo com eles cada um dos momentos. cada milímetro equivale a mais um mês. mais uma semana. mais um dia de que não dei conta. pensava que conseguiria ver cada um desses mílimetros. mas não. quando olho para o lado em busca de um pouco de mim. ou de um pouco de nós. ou de um pouco das paredes que albergam já as criadas pelos meninos. já passou não um. não dois. mas três ou quatro milímetros. a matemática não falha. crescer faz mingar o tempo. é mesmo inversamente proporcional.
com tudo já passaram quatro meses. três consultas no pediatra. (a quarta será daqui a dias). muita cólica. muito ColliMil. muito Aero-Om. Bébé-Gel. toalhetes. fraldas. Aptamil. Vitaminas. e logo logo estarão a fazer a barba. mas o sorriso. a cada sorriso a vida muda mais um pouco. e eu sorrio também. o olhar. olho-os nos olhos e com eles lhes mostro o que o mundo me já mostrou a mim. e eles olham-me também mostrando-me o que o mundo tão diferente do meu já lhes mostrou a eles. o simples acto de pegar ou tentar pegar na chupeta que lhes foge é como vitória alcançada por mim. os discursos que oiço com atenção. parecem políticos extremistas sem votos com o entusiasmo de imaginarem plateias cheias de gente eufórica e fanática. e o beicinho. é estranho o beicinho. anuncia o choro. algo que não está bem. e no entanto deixa-me tão enternecido. tão rejubilante que o acto de rir é incontrolável. é lamentável como até com a desgraça alheia e inocente de um bébé se ri.
antes de ontem dormiram pela primeira vez no seu próprio quarto. custou mais à Mãe. foi difícil convencê-la. sou persistente e argumentativo. resultou. e está a resultar bem. Francisco. tanta cama para mim Mãe! de certeza que é tudo para mim? sim, o mano tem outra igual. Bernardo. Oh! Pai. tanto boneco. tanta coisa gira para entreter os olhos. dormiram bem. a Mãe é que não. e o Pai igualmente mal dormido no dia seguinte lá se levantou cedíssimo para a última leva de emparedamento castanho.
Pude parar um pouco para escrever. já foi mais um mílimetro. mas regressei. não igual. diferente. mas regressei.

sexta-feira, 28 de julho de 2006

Diário de um Pai, 27 de Julho de 2006

Ontem foi o dia dos Avós. Não o comemorámos de forma especial. Os Avós fazem parte da vida dos meninos desde o primeiro dia. Os Avós paternos são os que nos têm ajudado socorrendo quando é preciso, mimando sempre para que os pais depois sofram, estando também quando não é preciso, querendo mostrar-se mais solícitos do que na verdade era necessário. A Avó materna aparece por cá, quer-lhes pegar sob qualquer pretexto, dar um biberão, simplesmente pegar, olhá-los, tocá-los. Não tem muito jeito para a coisa, mas a sua vontade de os amar é tanta que isso, por si só, é suficiente para ultrapasar todas as dificuldades.
Eu só conheci o meu Avô paterno e a minha Avó materna. Ambos já Deus os chamou e não posso deixar de os recordar com saudade. O meu Avô paterno faleceu tinha eu cerca de 12 anos. Foi com ele que me ensinou os prazeres de um bom bacalhau regado com azetite a transbordar do prato. Era um momento de grande intimidade entre os dois. Depois de eu despachar o meu prato, puxava-me para o seu colo e dava-se ao trabalho de partir o pão, molhá-lo no azeite e dar-me-o quase à boca. Foi com ele que fiz grandes passeios pelos jardins de Queluz aprendendo os encantos da observação. E foi também com ele que, pela primeira vez, interroguei o sentido da morte. Chorei pela primeira vez com a dor da morte e percebi claramente que não mais o iria ver senão na minha memória.
Com a minha Avó materna aprendi os encantos do estômago. Era ajudante de pasteleira na Castanheira (os mais velhos desta cidade de Lisboa devem lembrar-se da Pastelaria). Passei tardes inteiras no meio das massas, ovos, tortas, bolas de berlim, bolos de aniversário avaliadas com o toque de um dedo furtivamente levado à boca. Com ela, já mais velho, compreendi o verdadeiro significado de ser Avó. É como que um renascer de uma vida dura que as rugas não deixam esquecer. É como que voltar atrás no tempo para reparar feridas antigas, mimos que se deram a menos, palmadas que se deram a mais. E agora, muito mais pacientes do que foram com os filhos por já livres do seu encargo, das pressões do sustento, dos afazeres da vida, entegam-se simplesmente ao amor pelos netos. Faleceu há cerca de 5 anos. Chorei ainda mais que na morte do meu Avô paterno. Talvez porque agora ainda mais consciente dela.
Um dia, se Deus quiser, serei Avô e poderei experimentar o prazer de o ser.

Ontem também foi dia da primeira consulta dos meninos. Confesso que me fez enorme confusão vê-los a ser examinados daquela maneira. Ela é atirar com os meninos, é levantá-los pelas pernas, é deixá-los chorar. Eu sei lá. A ideia de fragilidade dos meninos, passou a certeza de que são muito mais rijos que aparentam.
Tivemos ordem de soltura. É tempo de começar a passearmos os quatro. É tempo de eu lhes começar a mostrar o mundo, ao meu mundo, esperando que eles me mostrem que afinal, existe outro que eu não conheço.

sábado, 22 de julho de 2006

Diário de um Pai, 21 de Julho de 2006


Pois é! A vida é mesmo assim, às vezes custa muito lidar com as mais diversas situações que ela nos apresenta. Foi o que nos aconteceu ontem e hoje piorou.

Antes de ontem, 4.a feira, a Catarina começou a ficar febril. Como sempre lhe acontece, a febre atirou-a ao tapete, qual pugilista vítima do mais violento golpe do seu adversário mesmo em cheio nos queixos. E como se isso não bastasse, a febre não passou. Resultado, ontem passamos o dia no Hospital. Até que os médicos decidiram que a iam internar por detectarem sinais de uma infecção, sem conseguirem identificar onde e porquê.

Hoje a equipa decidiu que ficaria o fim de semana inteiro para observações. Devem querer saber de onde é que aquilo vem. Espero que encontrem, porque custou-me tanto deixá-la lá sem os meninos...

A enfermeira ainda perguntou se ela queria que eles lá ficassem. Mas a razão dela falou mais alto. De facto os meninos estão melhor aqui comigo. Ela está debilitada, tem qualquer coisa que nem sequer sabe o que é e, apesar de lhe irem dizendo que pode amamentar, não se sente segura. Perguntei várias vezes se tinha a certeza, não porque não quisesse ficar com os meninos (experiência que já conto), mas simplesmente porque compreendo a sua dor de Mãe. Não que a minha seja menor não estando com eles, mas simplesmente porque a dela é mais profunda, mais interior, relacionada com cordões umbilicais que nenhuma tesoura jamais será capaz de cortar.

Ontem fiquei sozinho com os meninos. Assim que cheguei a casa, fui dar-lhes banho. A minha Mãe deu uma ajuda. Primeiro o Bernardo, depois o Francisco. Enquanto estava a dar banhinho ao Francisco, a minha Mãe foi dar o biberão ao Bernardo. Depois a minha sogra, que nos veio visitar, deu o biberão ao Francisco. As duas são mães, a minha de três filhos, a da Catarina de duas meninas. A minha Mãe ainda se vai ajeitando, mas o tempo que passou foi tanto e as diferenças são tão grandes - a começar nas fraldas de paninho que eu usei - que ainda se atrapalha um bocadito. A minha sogra então não tem mesmo jeitinho nenhum. Mas enfim, as duas, com a minha ajuda, lá foram dando o jeitinho.

Pu-los a dormir. E preparei-me para uma noite longa. Nos dias que tenho estado com a Catarina não me tenho preocupado muito em acordar. A Catarina trata de o fazer e depois chama-me. Foi a forma que encontrei para poder descansar pouco, mas bem. Desligo mesmo com a certeza que a Mãe está ali e que ela me chamará quando os meninos acordarem. E ontem estava receoso que o mesmo me acontecesse, com a diferença que não tinha lá a Catarina.

Mas não. Bastava um murmúrio para abrir o olho e saltar da cama como se o meu rabo possuisse uma mola gigante, capaz de me impulsionar até à Lua. Correu tudo às mil maravilhas. Só precisei da minha Mãe já às 7h30 da manhã por estar a dar biberão ao Bernardo e o Francisco querer o mesmo. E se não tivesse ninguém para me ajudar, paciência, o Francisco esperaria um bocadito com um miminho do Papá. Dei absolutamente conta do recado. E até foi um enormíssimo teste para mim que acabou por me fazer muito bem. Apesar das suspeitas (desculpem a imodéstia), confirmei os meus dotes de Super Pai, capaz de tomar conta de dois recém nascidos sem o mínimo problema.

E ainda deu para perceber outra coisa. Que grandes são as mulheres que fazem tudo sozinhas. Fazia bem a alguns papás uma experiência destas. Recordei também o meu Pai. Educado "à moda antiga", quando foi confrontado com ter de tomar conta de três filhos, um com 10, outro com 7 e um com 1 anito sozinho durante 15 dias, foi o cabo dos trabalhos. Eu, na altura, bem me recordo, ajudei no que podia, mas só tinha 10 anitos. Ele, coitado, vivia atarantado durante todo o dia. Mas deixem-me dizer-vos. Que coisas tão belas muitos dos nossos pais perderam por causa dessa forma de estar. Hoje olho para ele como Avô e está tão diferente... É já capaz de estar com os netos, dar-lhes um biberão, até mudar uma fralda. O que me deixa a interrogação, agora que sou Pai, como serei eu como Avô?

Uma coisa de cada vez, não é? Mas, ainda assim, são perguntas que inevitavelmente não sou capaz de não procurar resposta. É que o tempo, estou a aperceber-me agora, passa muitíssimo mais depressa a partir do momento em que nasceram os meus meninos.

segunda-feira, 17 de julho de 2006

Diário de um Pai

14.07.06
Segundo dia em casa. Eu estou muitíssimo cansado. Durmo pouco e mal. Afinal por cada vez que fecho o olho, deixo os ouvidos bem sintonizados na frequência de um múrmurio, um choro. Procuro ajudar a Catarina no que posso. Mas sinto que o que posso é tão pouco…
Foi com satisfação, mas com algum medo, que recebi a notícia da alta dos meninos e da mãmã. Foi como se durante toda a minha vida me estivesse a preparar para a sua chegada e, no fim, como aluno em exame final, deixasse que os nervos, a apreensão, o desassossego tomasse conta de todo o tempo despendido no estudo.
Começamos mal. O Francisco passou a noite toda com cólicas. Fizemos o que pudemos. Passei a noite sem dormir um único minuto, tal qual a Catarina que entre a tentativa de acalmar as dores do menino tinha de alimentar o Bernardo. Eu, mais uma vez, ía fazendo o que podia. Estava à sua inteira disposição. Se queria que pegasse no Francisco para alimentar o Bernardo, se queria que mudasse a fralda, se queria que desse suplemento, se queria que lhe fosse buscar água, bolachas, um pão com manteiga, um copo de leite, de um mimo, ali estava eu, cansado mas sempre com os olhos nela, porque se eu estava cansado, imaginasse o tormento dela. Com o rapaz nem o BébéGel resultou. Teve mesmo de se conseguir desenvencilhar sozinho por entre um mimo do Pai, um beijo da Mãe ou um carinho dos dois.
Acabou por conseguir aliviar a dor, dormindo depois que nem um justo. Nem a troca da fralda, que o deixa inquieto – assim como ao irmão – conseguiu retirar-lhe o prazer de poder fechar os olhos e descansar depois de tão dura luta. Acabou por me ensinar que precisamos de ser lutadores por princípio e obeteremos a recompensa dessa luta, mais cedo ou mais tarde.

15.07.06
A segunda noite foi um pouco melhor para mim, mas igualmente dura para a Catarina. Estamos em fase de adaptação. Os meninos a nós, nós aos meninos. Eles a aprenderem a sobreviver. Demoram imenso tempo na mama. Adormecem. Acordam e dão mais meia dúzia de chupadelas. Voltam a adormecer. Voltam a acordar. Falei sobre isso à Catarina. Percebo a fixação em querer estimular os peitos para que o leite se torne melhor. Percebo os benefícios de dar peito quer para os meninos, quer até para a Mãe. Mas isso não invalida que, creio eu, a Catarina necessite de um pouco de descanso. E com os meninos a mamarem daquela maneira, é impossível ela ter descanso.
Segui o conselho da Pediatra e pedi razoabilidade à Catarina, tentando concicliar essa necessidade e opção que é dar peito, as necessidades alimentares dos meninos e as necessidades de descanso da Catarina. Dá-se de mamar, mas após pouquíssimas insistências, passamos ao biberão onde eu já posso ajudar a Catarina a descansar um pouco mais. Depois, se quiser estimular o leite, tem a bomba, até para ter noção do leite que tem, outro dos problemas que parece estar a surgir.
Os meninos estão a perder peso. Ainda tudo dentro do normal, mas a perder peso. E eu desconfio que isso se deve a duas razões. A primeira porque o leite da Catarina ainda não deve ter subido ou é de fraca qualidade. A segunda porque os meninos estão muito tempo na mama, mas, na prática, mamam pouco. Insistiremos, pelo menos nesta fase, em tentar conciliar a alimentação dos meninos com o descanso da Mãe, que é tão importante até para os próprios meninos.

16.07.06
Hoje, Domingo, passamos melhor a noite. Já nos começamos a ambientar uns com os outros, a descobrir as manhas e patranhas, as necessidades, começamos a desconfiar do choro e a reconher-lhe uma forma, parece estar tudo no bom caminho. Ontem conseguimos descansar um pouco mais e isso também se reflecte na forma como cuidamos deles. Com mais tranquilidade todas as dificuldades são superadas mais facilmente, com maior destreza e maior paciência.
Ontem fizeram a primeira birra. Ainda pensámos que poderiam ser cólicas, mas cedo descobrimos que não eram, tinham os intestinos a funcionar bem. Depois acreditámos que não estavam satisfeitos. Mas também cedo percebemos que era impossível. Conclusão, mimo dos avós, dos tios e da Tia, do Pai, da Mãe, de toda a gente… A Catarina perdeu um pouco da paciência, esboçou um ralhar, metemo-los nas camas e, depois de algum choro, lá perceberam que só lhes restava dormir e descansar. O Bernardo lutava claramente contra o sono, as pestanas caiam pesadas e ele, num esforço hercúleo, levantava-as. Bem que a pediatra do Hospital e as enfermeiras diziam que os meninos já tinham manias. Eu não queria acreditar, mas ontem, de facto, confirmou-se.
Hoje de manhã tivemos o primeiro momento só nosso depois do nascimento das crianças. Foram só cinco minutos, mas o suficiente para poder mimar um pouco a Catarina. Deixei-a descansar. Dormia tão bem que, assim que os meninos acordaram, lhes fui dar biberão para não acordarem a Mãe. Primeiro o Bernardo, depois o Francisco. Quando ela abriu o olho, já os meninos estavam comidos e mudados e pudemos dedicarmo-nos um ao outro por um bocadito. Nada de especial, um simples beijo, um abraço, meia dúzia de palavras. Talvez estes pequenos momentos possam representar muitíssimo para nós e para os meninos, agora que eles nos irão ocupar grande parte do tempo.

quinta-feira, 13 de julho de 2006

Crónica de um Pai babado

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Escrevi o que se segue no dia seguinte ao nascimento dos meus meninos. Entretanto já estão em casa. Chegaram há pouco. Têm-me ocupado o tempo e o espaço mental, todo, mesmo todo. Mas, mesmo cansado, é com um sorriso nos lábios que me ponho em pé com pouquíssimas forças e os amparo.

Acordei agora ainda mal refeito da surpresa de ontem. Estou ainda num estado de euforia que me impede de estar muito tempo parado. Sento-me aqui um pouco para vos contar as peripécias do parto.
Aproximadamente às 22h do dia 9 de Julho, depois de calmamente termos visto a Itália a vencer a França na final do campeonato do mundo, a Catarina começa a queixar-se da região lombar. Por várias vezes a tinha visto a falar com outras mães perguntando-lhes o que seria uma contracção, ao que elas respondiam, depois de enormes explicações, que ela iria saber. Não se enganaram muito. Apesar das primeiras dúvidas, até porque não estava à espera, cedo ela percebeu do que se tratava. Mantive a calma, permanecendo sempre ao seu lado e, sem ela o saber, a controlar o espaço de tempo entre cada uma.
A visão do que ela sentia, confesso, foi um pouco assustadora. Contorcia-se, queixava-se e, na primeira mais forte, chorou. Quando a vi de lágrimas nos olhos fiquei mesmo sem saber o que fazer. Mas cedo percebi que nada haveria a fazer senão permanecer ali. Às vezes na brincadeira com os amigos, costumo usar uma expressão com que a dizer que nada farei para o ajudar – dou-te apoio moral. Na verdade, a impotência com que me deparei, obrigou-me a dar outro significado à expresão, porque, de facto, é a única coisa que se pode fazer naquele momento.
Depois de ter aparecido a minha sogra – estava preocupadíssima com o nascimento dos primeiros netos – as contracções foram apertando mais, até chegar, já no carro, a 5 minutos de intervalo. Pensei, bom, não há hipótese, os meninos vão mesmo nascer hoje.
Chegados ao Hospital fez o CTG e o obstetra disse-lhe que ia demorar. Apesar de estar com contracções, elas eram irregulares e ainda não tinha sequer começado a fazer a dilatação, nem as águas tinham rebentado. Deixaram-me ficar ao seu lado o tempo todo, e eu fiquei, óbvio.
Durante a noite apenas foram uma ou duas contracções, nada de especial. Passei a noite toda em claro, apenas dormitando uma horita. De manhã nova equipa de médicos. Chegou, observou e esperou. Cerca das 11h, já com as contracções novamente a apertarem, fizeram uma ecografia e descobriram que o Bernardo estava atravessado impedindo que, quer ele, quer o irmão nascessem. Depois de estar até às 13h com dores horrorosas, pedindo-me que ficasse junto dela, chorosa, correram comigo para lhe fazerem a cesariana. Aproveitei a sugestão das enfermeiras e fui até casa, tomei um banho e almocei.
Às 13h38 nascia o Francisco com 2585 g e às 13h39 nascia o Bernardo com 2650 g.
Tal como me tinham pedido, voltei ao Hospital por volta das 14h10. Cinco minutos depois estava junto dos três, envolto numa bata azul que conservo, sei lá porquê, mas que conservo.
Mesmo impelido pelo enorme impulso de ver pela primeira vez os meus filhotes, movido pela ansiedade de os tocar, ver, olhar, sentir, tive ainda o descernimento de, em primeiro lugar, dirigir-me à Mãmã. Foi ela que teve todo o trabalho, foi ela que passou pelas dores, foi ela que lhes deu vida, que os alimentou durante 37 semanas, que os acariciou, que os sentiu, que ofereceu o seu corpo para que outros dois corpos conhecessem neste dia a luz do dia. Pedi desculpa às enfermeiras que me esperavam junto dos meninos e virei-me para a Catarina simplesmente olhando-a ternamente como que dizendo com os olhos aquilo que os lábios jamais serão capazes de dizer. Beijei-a, acariciei-lhe o rosto com as costas da mão e voltei a beijá-la na testa. Perguntei-lhe depois como se sentia, ao que respondeu com olhar feliz “tinha já outros dois”.
Como a compreendi e, confesso, como a invejei. Já várias pessoas me ouviram dizer que o dom de ser mulher, de poder gerar uma vida dentro de si, é realmente um privilégio só possível a elas. Mas ontem VI o quanto isso é verdade. E ainda compreendi melhor essa graça quando a enfermeira colocou o Francisco a mamar pela primeira vez enquanto eu segurava no Bernardo no meu colo. A sua expressão de felicidade era tão grande que não cabia na sala, nem no Hospital e, suspeito, nem no mundo. E novamente a invejei…
Estive com os três até às oito e qualquer coisa, completamente esgotado, mas com forças ainda para um jantar em família que a ocasião merecia, quase que a pensar se as minhas forças eram poucas, imaginasse as da Catarina, ganhando alento para continuar mais um pouco.
Estive sempre a seu lado e, apesar de dizer e continuar a achar que o parto, de facto, não é para homens, mas para mulheres e pessoal especializado, quando a Catarina, cheia de dores me pediu para não sair dali, seria incapaz de sair por minha própria vontade. Felizmente, para o meu coraçãozinho fraco, no Hospital S. Francisco Xavier não deixam assistir às cesarianas.
Sou Pai. Existirá maior felicidade no mundo? Hoje posso dizer que não.

domingo, 9 de julho de 2006

Diário de um Pai Anunciado - O Primeiro Anúncio

Há pouco a Catarina teve a sua primeira contracção. Estou a controlar o tempo para prevenir surpresas. Pode ser simplesmente uma contracção isolada que acontece.

Foi um pouco assustador, porque ela, que não é nada piegas, até chorou com o ataque que os meninos lhe fizeram aos rins.

Já há algum tempo que estamos preparados para isto. A cesariana está marcada para o próximo dia 19 de Julho, mas o médico obstetra avisou que poderiam nascer antes, pelo que nada nos falta para receber os meninos que estão quase, quase a ver pela primeira vez a luz do dia.

Confesso que, apesar da aparente calma, me sinto um pouco ansioso. A hora aproxima-se e é como se o chão que até agora pisei com segurança me estivesse a fugir dos pés. É um novo caminho que tenho de traçar já não a pensar em mim, mas neles. Tenho de esperar por eles para definir esse novo rumo, como comandante de navio há espera das previsões metereológicas para evitar a tempestade.

Há muito tempo que olho com carinho para as cadeiras de passeio ainda vazias, para as alcofas, para os biberãos, as chupetas, as argolas que as seguram e o albúm que espera as suas primeiras fotografias, oferecidas numa enorme manifestação de amizade pelo grupo que me tem acompanhado nas andanças motociclísticas. E com esses meus olhares procuro já dizer-lhes o quanto são importantes para mim, o quanto estarei disposto a mudar a minha vida para seu benefício, o quanto os quero já amar mais que há minha própria vida. Ao mesmo tempo, imagino-me a passear com eles, a dar-lhes a conhecer este mundo que é o meu para que se torne deles também, para que se sintam nele como em casa, no regaço de sua Mãe que os aconchega durante o tormento de uma dor. E, ao mesmo tempo, descobrir que, afinal, esse meu mundo que conheço será tão diferente com a sua presença.

Espero ansiosamente por vós, filhos!

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

Ao Serviço de Portugal



Num tempo em que as notícias de guerra, terrorismo, homicídios, maus tratos e violência dominam a imprensa escrita, falada e vista, recordo esta fotografia que obti em Belém, no muro em que se procura homenagear os soldados portugueses falecidos na Guerra do Ultramar.

Todos nós conhecemos alguém que por lá passou. Nossos Pais, nossos Tios, familiares de qualquer grau, amigos, atravessam-nos com histórias de uma paisagem bela horrorizadas pelas manchas de sangue derramadas. Alguns recordam com saudade esse tempo que jamais reviverão, outros, pelo contrário, querem apagar do livro das suas memórias os episódios mais traumatizantes da sua vida.

Por esse mundo fora multiplicam-se muros como este. São vidas espalmadas num desenho a duas dimensões que para mais nada serve senão para acalmar consciências. Em Portugal poucos reparam neste muro contíguo a um quartel, timidamente guardado por dois soldados que vagarosamente, de quando em vez, cruzam os olhares e os caminhos como se a vida daqueles que morreram e que os vigiam no anonimato de um nome desconhecido para quase todos tivesse sido perdida com a mesma velocidade. Esquecemos que a grande maioria não sabe porque nem como morreu.

Ao mesmo tempo que escrevo estas palavras oiço a Sonata ao Luar - Patética de Beethoven (Sonata n.º 8 em Dó Menor, Op. 13). O extremo romantismo transmitido por aquelas notas de sentimentos contraditórios de felicidade, amor, paixão arrebatadora e, ao mesmo tempo, de dor, infelicidade e comiseração de quem olha a Lua fizeram-me lembrar as histórias de meu Pai no Ultramar. Histórias felizes de caçadas na reserva da Gorongosa, camaradagem, gargalhadas, episódios caricatos, encontros com um espaço que ainda é nosso no coração. Mas, na mesma medida em que a tristeza, a dor e o desespero se apoderaram de Beethoven, também me recordo das histórias horrorizantes de um Tio que viu desaparecer camaradas seus enquanto corriam ao seu lado para uma trincheira.

Era bom que aquele muro nos fizesse recordar mais que anónimos nomes desconhecidos quando por ali passamos.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2006

Linha do Oeste


































Carreira 28

Já tem um ano e meio esta série de fotos que tirei numa jornada fotográfica com o meu cunhado pela Carreira do Eléctrico 28.

Trabalho num local de passagem desta carreira e ela sempre me fascinou, não só pela nostalgia do eléctrico, mas, principalmente, porque percorrer a Carreira desde os Prazeres até ao Martim Moniz é, de alguma forma, percorrer a síntese de uma cidade que parece viver anacronicamente.

É este anacronismo de uma cidade que quer ser grande, mas que nunca dexará de ser pequena o grande encanto da Carreira. Por um lado a mesma tecnologia que no início do século transportou milhares de operários, jardineiros, governantas e mordomos, espelhado nas roupas que ainda se estendem na janela da frente, nas frutas e legumes que se ostentam na Mercearia do Sr. Alfredo, no amolador que calcorreia a cidade com a sua pedra movida à força de um pé que conhece cada pedra da calçada pisada, nos característicos marcos do correio vermelhos que ainda hoje recebem no seu interior as cartas de amor escondidas numa caixa. Por outro são os carros apressados empatados pela lentidão da carruagem, as pessoas que precisam de chegar a horas à porta do Colégio do menino, os jovens que falam da internet, computadores e Playstation.

No meio de tudo isto, misturam-se fascinados pelo bucolismo do ambiente os turistas que, sem saber porquê, se deixam encantar por um lugar onde ainda se pode ir a uma tasca beber uma taça de tinto, onde ainda é possível ver amoladores de rua, onde ainda se vê casas de porta aberta à espera da vizinha de baixo a pedir um pouco de azeite que deixou acabar.

Às vezes penso como gostaria de viver numa outra cidade, mais cosmopolita, moderna, capaz de nos dar o conforto de um mundo evoluído. Mas outras vezes, é precisamente a inexistência de todas essas coisas que me faz amar cada vez mais esta cidade.

Carreira 28 - Eléctrico









Carreira 28 - Anacronismo

Carreira 28 - Coisas que se vêem









quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

Lugares Vazios



Belém, lugar mítico para a infância de muita gente nascida e criada nos subúrbios desta Olisipo sempre virada para um rio que a quer deixar no Mar. Foi lá que muita gente comeu o seu primeiro gelado, que se deram os primeiros chutos na bola de "catchú" contra balizas feitas de troncos de árvores ou pedras da calçada arrancadas do passeio. Foi lá que outros tantos levaram as primeiras namoradas procurando que o romantismo de um rio quase mar fizesse tremer-lhes o estômago de desejo por mais um beijo. E foi lá que muitos mais velhos contemplavam toda esta energia em forma de memória de tempos já passados.

Encontravam-se ali todas as gerações, desde as de berço até à melancolia da solidão que já teve gente ao seu lado.

Hoje é um lugar quase só para turistas. E os bancos então ocupados pela sabedoria de um velho carregado das rugas da vida, deram origem a lugares vazios de memória, estranhos para quem de novo ali chega, acolhidos que não foram por quem conhecia tudo aquilo como se do seu própio corpo se tratasse.

Inveja

Como tantas e tantas vezes invejo as mulheres. Possuem o maior privilégio de um ser humano - gerar uma nova vida bem dentro do seu corpo.

Tocou o telefone. Admirei-me porque tinha acabado de me ligar. Minha mulher gritou do outro lado da linha "Nino! Um dos bébés mexeu-se!". Imaginei-lhe o rosto estampado com o decalque da felicidade suprema. E então? que sentiste? Não sei dizer, é estranho. Respondo eu por ela. Sentiu-se viva, tão viva que a sua vida está a ser capaz de gerar outra, diferente de si, mas com uma boa parte do que é.

Que inveja, meu Deus.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2006

Cidade desconhecida



Reencontrei ontem um amigo de adolescência que, fruto do seu recente casamento passou a estar mais ausente da minha vida. Recordámos os velhos tempos - nem bons nem maus, apenas velhos - num bar que costumavamos frequentar com assiduidade. Passou a morar num lugar chamado Polima - a nossa toponímia está cheia de nomes esquisitos - que dista cerca de 20 Km de Lisboa.

O melhor epíteto que encontrou para definir a sua nova morada foi "província". Segundo diz, existem pessoas a viver da criação de gado, da agricultura e da pastorícia. Contava-me como, na celebração da Santa Missa se encontram pessoas com o rosto cavado de vales criados pelos rios de suor que escorrem pela face, mãos rasgadas pelas farpas de uma enchada que se levanta, olhar cheio de um saber humilde, mas sábio e falar arranhado por vocábulos estranhos.

Por momentos reflectimos como tão pouca gente conhece o país onde vive. Um país tão estranho quanto torna possível a existência de pessoas cujo único sustento provém da Mãe Natureza e que constantemente são invadidas pelo barulho ensurdecedor de uma cidade que grita ali mesmo ao lado. É com esse murmúrio constante proveniente de Lisboa que aqueles homens e mulheres se levantam quando o Sol nasce levando consigo a simplicidade de uma enchada e se deitam quando o Sol se põe com o suor de uma terra que se cavou.

A maior cidade do país tem mesmo ao seu lado formas de vida iguais a um tempo que já não deveria ser. E a pergunta que fica é se aqueles que todos os dias correm de um lado para o outro imaginam sequer que possa existir, ali mesmo ao seu lado, alguém que não sabe o que é um computador, um telemóvel, o MSN ou a Internet. Mas, pior ainda, é que não são esse homens e mulheres simples que se sentem invadidos e incomodados com a presente da gente urbana que chega. É a gente urbana que se sente incomodada com a presença daqueles homens simples num espaço que adoptam como definitivamente seu.

Fui por isso buscar aos meus arquivos esta fotografia de um pescador de Cascais. Por entre os carros de luxo, roupas caríssimas e televisores plasma, ainda há gente que resiste a todas estas solicitações do mundo moderno e se lança na aventura de um mar sempre desconhecido e incerto. E é espantoso como essa gente que sempre ali viveu, subsistiu e até acolheu estes novos seres estranhos oriundos da cidade se transformam num abrir e fechar de olhos em personagens caricatas e pitorescas, quase atracção de um turismo baseado na bucolidade desta nossa cidade de Lisboa.

Desaparecerão, mais cedo ou mais tarde, da nossa vista. Oxalá não desapareçam da nossa memória.

terça-feira, 24 de janeiro de 2006

Caminhar



Recupero esta foto obtida há quase um ano. O meu antigo Prior apresentava, vejo hoje, os primeiros sinais da doença que mais tarde se veio a manifestar de forma trágica, com consequências para toda a sua vida futura. Não posso deixar de pensar nele quando recupero estas fotos mais anigas.

Foi o grande responsável por trazer de volta o meu gosto pela fotografia e, acima de tudo, foi ele que me ensinou que fotografamos o que nos apetece, sem nenhuma preocupação que não a nossa sensibilidade, direi assim, artística.

Nenhum de nós teve alguma vez a pretensão de ser Fotógrafo com F maiúsculo. Limitávamo-nos a levar o nosso equipamento e fotografar a nosso belo prazer sem pensar sequer o que dali iria sair. Foi o descobrir que, mais que no resultado, para um amador o encanto da fotografia está na descoberta do mundo que nos rodeia através do seu olhar único.

Talvez por ser o último passeio que efectuei com ele o recorde com maior fervor e saudade. Mas também, não posso deixar de o dizer, por esta temática do caminho ser para mim motivo de reflexão constante desde que me converti ao Catolicismo.

Caminhar é uma das palavras que mais recorrentemente se diz nas homilias, nas catequeses, até nos Evangelhos. Não pode ser por acaso. De facto, é quando nos pomos ao caminho que encontramos a realização dos nossos objectivos quer profissionais, afectivos ou religiosos. Sem caminhar num qualquer sentido, jamais chegaremos ao destino que nos espera ansioso.

Podemos ficar sentados, à espera de uma boleia apanhada num qualquer comboio com destino incerto, levando-nos para onde ele quer. Ou, ao invés, podemos sair pela porta caminhando pelos nossos próprios pés pelos trilhos que escolhemos. E se por vezes, a boleia que apanhamos de alguém é importante para reencontrarmos o trilho certo, é na escolha do nosso próprio caminho que nos transformamos em seres plenos e cheios de vida.

Imfelizmente para alguns, como no caso do meu antigo Prior, infortúnios os levam a percorrer caminhos dos quais nem sequer têm consciência estarem a percorrer. É o acaso da doença que o guia agora, com tudo o que de trágico isso representa. Deus queira possa algum dia voltar a reconhecer-se como pessoa e com isso reconhecer o mundo que tantas vezes viu através da sua objectiva.

Último Entardecer do Ano



O mar e a praia, sempre que se misturam, provocam em nós uma comiseração intensa, como que revivendo os temas de um Romantismo que já passou, mas que, intrinsecamente, todos somos convidados a viver aqui e além.

Era o último dia do ano, sem perceber se o ano que se aproximava seria a continuação de um projecto de vida ou, pelo contrário, o início de uma nova etapa, pouquíssimo semelhante à anterior.

Ali mesmo ao lado a solidão de um pescador, sem saber se lhe havia de dar o epíteto de desportivo ou não. De cada vez que olho para um daqueles homens imagino sempre a enorme solidão em que se encontram, mas, ao mesmo tempo, no prazer que deve ser poderem, naquela tranquilidade e serenidade, encontrarem-se consigo próprios na busca de uma identidade do que são. Por momentos invejo-os. Vivemos quase sempre tão intensamente o tempo que raramente temos possibilidades de parar, acção indispensável para que se possa entrar em nós próprios. E aqueles homens dão parte da sua vida para esse parar, esse escutar-se a si próprio e, se fôr o caso, escutar a voz de Deus que constantemente nos fala e interpela.

Antes de disparar parei por momentos e foi impossível não trazer ao pensamento a minha família. Minha querida mulher a descansar no leito do nosso lar, os bébés que lutam desesperadamente pela vida ainda no ventre materno, meu Pai que tanto se esforça para dar aos seus o melhor que a vida pode dar, minha Mãe que apesar de todos os defeitos ama os seus filhos mais que à própria vida, minha querida Sogra que, apesar das dificuldades financeiras com que já viveu, continua a sorrir, minha falecida Avó materna que se derretia por cada vez que abraçava os seus netos, meus irmãos, minhas cunhadas, o meu cunhado que ali me acompanhava na jornada fotográfica e os meus dedicados amigos com quem passei tantas vezes aquele mesmo dia noutros anos. Todos eles, à sua maneira, deixaram e deixam marcas que fazem de mim tudo o que sou como pessoa.

O mar à minha frente indicava-me como o caminho é infinito, mas, ao mesmo tempo, incerto. E esta incerteza da vida só nos deixa duas formas de a viver. Ou a passamos a lamentar, a chorar aquilo que ainda não temos ou que perdemos, ou, por outro lado, apontamos a direcção do horizonte como nosso horizonte, e a levamos com confiança, com a certeza de que tudo está bem enquanto por cá estivermos.

Há momentos em que a vivo a lamentar. São os momentos da incerteza do que a vida nos reserva, do descontrolo na direcção que tomámos, da incapacidade de parar. Ultimamente tenho tido muitos dias assim. Os bébés assim me deixam.
Dizemos tantas vezes como os pais são capazes de tudo para que os seus filhos vivam, mas esquecemo-nos outras tantas que há situações em que nada podem fazer. E, acreditem, a sensação é horrorosa. Quero salvar os meus filhos, quero que eles saiam do ventre materno, quero que eles vivam, quero que eles sejam felizes mesmo que isso implique a minha própria infelicidade, mas nada posso fazer senão esperar.
Olho para a minha querida mulher ali, deitada, a fazer um esforço enorme para que a sua vontade de se mexer não se sobreponha ao desejo inabalável para que os bébés suportem as vicissitudes do seu ventre e nada mais posso fazer senão dizer-lhe com os olhos o quanto a amo.

É então que outro mar se apodera de mim, o mar que jorra bem de dentro de nós e se espraia na areia do nosso rosto.

Olho de novo para o pescador e vejo-o caminhar bem junto ao mar. Percebo então que é a caminhar que a vida se desenrola e não no congelamento de um momento registado por uma qualquer câmara fotográfica.

Disparo e recomeço a caminhar…

Ministra Alemã com 7 filhos

Infelizmente só para subscritores, não posso deixar o texto aqui - se forem membros passem no grupo Povo, mas recebi esta notícia que não posso deixar de partilhar convosco.

Num tempo onde se passa a ideia que a carreira profissional é incompatível com o papel de Mãe e Mulher, esta senhora deixa-nos um belíssimo exemplo.

A registar!

segunda-feira, 23 de janeiro de 2006

Indecente e inaceitável

Por entre o torneio Masters de Londres em Snooker que O'Sullivan perdeu, lá fui espreitando comentários e declarações políticas sobre as Eleições Presidenciais. Deixo apenas este comentário sobre esta matéria por me parecer demasiado grave para deixar passar.

Foi demasiado óbvio o objectivo da declaração de Sócrates há mesma hora de Manuel Alegre. No mínimo vergonhoso. É revelador de muitíssimo mau perder. Mas o pior é mesmo a capacidade e a leviandade com que se usa um poder - no caso o de Primeiro Ministro - para calar alguém que, no pleno exercício da sua cidadania, foi o único capaz de apresentar uma alternativa minimamente aceitável à esquerda de Cavaco Silva.

Na verdade, o que Sócrates revelou foi um tremendo desrespeito para com a instituição Presidência da República, pois achou-se muito mais importante que o cargo a que o seu (ainda) camarada se candidatou.

A Morte

Ontem, como já começa a ser hábito, fui solicitado pelo meu Prior, Pe. Jorge Dias, a realizar a Última Encomendação e Acompanhamento de um corpo até ao Cemitério de Queluz. Não foi a primeira vez que o fiz, nem será, infelizmente, a última. A morte é algo com que temos de aprender a lidar e, acredito, quanto mais a idade se vai apoderando de nós, mais a nossa capacidade de a aceitar aumenta.

Mas ontem foi muito mais intenso espiritualmente. Toda a família é Católica (isto quer dizer "praticante", porque os "não-praticantes" não são, na verdade, Católicos). Como católicos que são vivem na esperança de que Cristo é realmente a Salvação. E foi impressionante olhar para o rosto de todos eles e contemplar essa esperança, essa confiança em Deus, de que Ele está sempre presente, está sempre connosco. Se chegou a hora daquele familiar, daquela pessoa tão querida, é porque Deus determinou que o seu projecto na terra terminou, levando-o para junto de Si.

Quase não vi lágrimas, o rosto do filho, triste, concerteza, era o de alguém que acreditava que seu Pai, no momento em que se atirou o primeiro punhado de terra para a sepultura, estava junto de Deus, um Deus que vive na terra em cada um de nós e que, depois da morte, se dá a conhecer, se mostra em toda a sua força e poder.

Reflecti depois como, por causa disso, a escolha do Evangelho para a ùltima Encomendação tinha sido apropriada. Cheguei uns 15 minutos antes. Vesti a Alva, apertei o Cíngulo e peguei no Ritual. Debruçado sobre o Arcaz em frente ao Crucifixo procurei qual a leitura que escolheria. Acho que foi inspiração divina. Escolhi a ressuscitação do jovem a caminho na Sepultura em Naim. Aquele episódio da história de Cristo é um milagre, ao Seu toque o jovem senta-se no caixão. Mas hoje, esse milagre pressiste, porque, na verdade, Cristo continua a tocar nos seus filhos e vence a morte.

E era isso mesmo o que estava patente no rosto daqueles familiares e amigos, a certeza absoluta que o seu irmão estaria naquele momento a caminho do seu encontro com Deus.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2006

A Minha Nova Paixão

Joaninha002


É esta a minha nova paixão!!! Licença de condução obtida no passado mês de Julho, moto comprada dias depois. Poderia passar aqui horas e horas a descrever porque razão as motos são um encanto, quase uma droga que jamais se quer deixar. Mas tudo o que dissesse seria pouco para conseguir descrever tanto.
Por isso, o melhor, é irem lendo os meus textos sobre as minhas aventuras e desventuras em cima da minha montada.
Ah! Tem nome. Baptizada pela minha mulher de Joaninha! Eu costumo chamá-la Bandida!