terça-feira, 24 de janeiro de 2006

Último Entardecer do Ano



O mar e a praia, sempre que se misturam, provocam em nós uma comiseração intensa, como que revivendo os temas de um Romantismo que já passou, mas que, intrinsecamente, todos somos convidados a viver aqui e além.

Era o último dia do ano, sem perceber se o ano que se aproximava seria a continuação de um projecto de vida ou, pelo contrário, o início de uma nova etapa, pouquíssimo semelhante à anterior.

Ali mesmo ao lado a solidão de um pescador, sem saber se lhe havia de dar o epíteto de desportivo ou não. De cada vez que olho para um daqueles homens imagino sempre a enorme solidão em que se encontram, mas, ao mesmo tempo, no prazer que deve ser poderem, naquela tranquilidade e serenidade, encontrarem-se consigo próprios na busca de uma identidade do que são. Por momentos invejo-os. Vivemos quase sempre tão intensamente o tempo que raramente temos possibilidades de parar, acção indispensável para que se possa entrar em nós próprios. E aqueles homens dão parte da sua vida para esse parar, esse escutar-se a si próprio e, se fôr o caso, escutar a voz de Deus que constantemente nos fala e interpela.

Antes de disparar parei por momentos e foi impossível não trazer ao pensamento a minha família. Minha querida mulher a descansar no leito do nosso lar, os bébés que lutam desesperadamente pela vida ainda no ventre materno, meu Pai que tanto se esforça para dar aos seus o melhor que a vida pode dar, minha Mãe que apesar de todos os defeitos ama os seus filhos mais que à própria vida, minha querida Sogra que, apesar das dificuldades financeiras com que já viveu, continua a sorrir, minha falecida Avó materna que se derretia por cada vez que abraçava os seus netos, meus irmãos, minhas cunhadas, o meu cunhado que ali me acompanhava na jornada fotográfica e os meus dedicados amigos com quem passei tantas vezes aquele mesmo dia noutros anos. Todos eles, à sua maneira, deixaram e deixam marcas que fazem de mim tudo o que sou como pessoa.

O mar à minha frente indicava-me como o caminho é infinito, mas, ao mesmo tempo, incerto. E esta incerteza da vida só nos deixa duas formas de a viver. Ou a passamos a lamentar, a chorar aquilo que ainda não temos ou que perdemos, ou, por outro lado, apontamos a direcção do horizonte como nosso horizonte, e a levamos com confiança, com a certeza de que tudo está bem enquanto por cá estivermos.

Há momentos em que a vivo a lamentar. São os momentos da incerteza do que a vida nos reserva, do descontrolo na direcção que tomámos, da incapacidade de parar. Ultimamente tenho tido muitos dias assim. Os bébés assim me deixam.
Dizemos tantas vezes como os pais são capazes de tudo para que os seus filhos vivam, mas esquecemo-nos outras tantas que há situações em que nada podem fazer. E, acreditem, a sensação é horrorosa. Quero salvar os meus filhos, quero que eles saiam do ventre materno, quero que eles vivam, quero que eles sejam felizes mesmo que isso implique a minha própria infelicidade, mas nada posso fazer senão esperar.
Olho para a minha querida mulher ali, deitada, a fazer um esforço enorme para que a sua vontade de se mexer não se sobreponha ao desejo inabalável para que os bébés suportem as vicissitudes do seu ventre e nada mais posso fazer senão dizer-lhe com os olhos o quanto a amo.

É então que outro mar se apodera de mim, o mar que jorra bem de dentro de nós e se espraia na areia do nosso rosto.

Olho de novo para o pescador e vejo-o caminhar bem junto ao mar. Percebo então que é a caminhar que a vida se desenrola e não no congelamento de um momento registado por uma qualquer câmara fotográfica.

Disparo e recomeço a caminhar…

1 comentário:

Anónimo disse...

Podia estar aqui eternamente a enaltecer a maneira q escreves...mas apenas te quero dizer q a unica coisa q me resta é acompanhar.te nessa jornada...e estar aqui p te dar muita força...
Acredita q a sensação de impotência tb me perssegue...já q nada posso fazer p aliviar essa tua dôr...custa.me...mas caminhemos...