quarta-feira, 25 de janeiro de 2006

Cidade desconhecida



Reencontrei ontem um amigo de adolescência que, fruto do seu recente casamento passou a estar mais ausente da minha vida. Recordámos os velhos tempos - nem bons nem maus, apenas velhos - num bar que costumavamos frequentar com assiduidade. Passou a morar num lugar chamado Polima - a nossa toponímia está cheia de nomes esquisitos - que dista cerca de 20 Km de Lisboa.

O melhor epíteto que encontrou para definir a sua nova morada foi "província". Segundo diz, existem pessoas a viver da criação de gado, da agricultura e da pastorícia. Contava-me como, na celebração da Santa Missa se encontram pessoas com o rosto cavado de vales criados pelos rios de suor que escorrem pela face, mãos rasgadas pelas farpas de uma enchada que se levanta, olhar cheio de um saber humilde, mas sábio e falar arranhado por vocábulos estranhos.

Por momentos reflectimos como tão pouca gente conhece o país onde vive. Um país tão estranho quanto torna possível a existência de pessoas cujo único sustento provém da Mãe Natureza e que constantemente são invadidas pelo barulho ensurdecedor de uma cidade que grita ali mesmo ao lado. É com esse murmúrio constante proveniente de Lisboa que aqueles homens e mulheres se levantam quando o Sol nasce levando consigo a simplicidade de uma enchada e se deitam quando o Sol se põe com o suor de uma terra que se cavou.

A maior cidade do país tem mesmo ao seu lado formas de vida iguais a um tempo que já não deveria ser. E a pergunta que fica é se aqueles que todos os dias correm de um lado para o outro imaginam sequer que possa existir, ali mesmo ao seu lado, alguém que não sabe o que é um computador, um telemóvel, o MSN ou a Internet. Mas, pior ainda, é que não são esse homens e mulheres simples que se sentem invadidos e incomodados com a presente da gente urbana que chega. É a gente urbana que se sente incomodada com a presença daqueles homens simples num espaço que adoptam como definitivamente seu.

Fui por isso buscar aos meus arquivos esta fotografia de um pescador de Cascais. Por entre os carros de luxo, roupas caríssimas e televisores plasma, ainda há gente que resiste a todas estas solicitações do mundo moderno e se lança na aventura de um mar sempre desconhecido e incerto. E é espantoso como essa gente que sempre ali viveu, subsistiu e até acolheu estes novos seres estranhos oriundos da cidade se transformam num abrir e fechar de olhos em personagens caricatas e pitorescas, quase atracção de um turismo baseado na bucolidade desta nossa cidade de Lisboa.

Desaparecerão, mais cedo ou mais tarde, da nossa vista. Oxalá não desapareçam da nossa memória.

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