quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Diário de um Pai, 16 de Novembro

segunda feira. pediatra. aquela senhora que passou oito anos a estudar mais uns quantos durante o exercício da profissão e que por causa disso me leva uma pipa de massa da conta bancária todos os meses com o pretexto de cuidar da saúde dos meus filhos. parece-me sempre dinheiro muitíssimo bem empregue. mas não deixa de custar. estão óptimos os meninos. percentil 50/75. papas daqui a dez dias. vai ser lindo. já encomendei aventais para mim e para a Mãmã e dois babetes de tamanho XXL para os meninos. a nova cozinha irá conhecer nova iguaria. salpicos de papa pela parede chão e tecto adocicada com caretas à la carte produzidas directamente pelas lindas faces do Quico e Bernardo. pequeno parêntisis. Quico. novo diminutivo para evitar o vulgaríssimo “Chico” que é nome de macaco e de marca de biberons. fim de pequeno parêntisis. pode ser que não. a experiência promete. imagino o albúm das recordações que eu nunca tive com legenda “a minha primeira papa” por baixo da foto que zelosamente os papás lhes tiram. o pior é que o papá não é muito dado a esses “clic-clac’s”. prefere guardar nas raízes da sua memória esses momentos. como se só ele fosse o detentor da nossa memória. egoísta.
tranquilidade. foi isso que os meninos deixaram durante a consulta. despidos. tal como vieram ao mundo. não só da roupa. pareceu-me que até de preconceitos. deixaram facilmente que a senhora que passou oito anos a estudar lhes mexesse sem soltar um único som menos agradável. a senhora que passou oito anos a estudar diz que é da maior serenidade dos papás. principalmente da Mãmã que andava muito nervosa. o Papá sempre se revelou tranquilo. recordo a penúltima consulta. o “Quico” a berrar desalmadamente e o Papá conversando com ele como se o mundo se prolongasse indefinidamente. o “Quico” acabou por se acalmar. nesta última foi quase igual. não porque lhe apetecesse simplesmente refilar mas porque lhe deu dor aguda vá-se lá saber do quê. consolei-o. acalmou novamente. e lá ouvi a senhora que passou oito anos a estudar a dizer que o Papá tinha muita paciência.
paciência. tem limites. passamos o resto do dia nas compras. e eles sempre acordados. para o fim já nem o embalo do automóvel os fazia fechar o olho. chegados a casa o Papá dedicou-se ao bricolage pendurando os cortinados depois de lhes ter dado o biberon. arrotados. fraldinha mudada. fraldinha nas mãos. chuchinha na boca. prontos para dormir um grande soninho. o Papá sempre ao seu lado. conversava com eles enquanto a Mamã decidiu ir ao Intermarché fazer compras para o jantar de aniversário da Tia no dia seguinte. até que o volume do palrar transformou o palrar em birra profunda. o Papá lá foi. acalmou como pôde. nada resultou. como colinho estava fora de questão a solução foi ali ao lado ouvi-los berrar. até que o sono tomou conta da excitação e adormeceram. foi noite santa. como sempre nos deram. desde a nascença que aqueles meninos nos deixaram dormir “bem”. bem entendido este “bem” pelas Mamãs e Papás espalhados por este mundo fora.
terça-feira. dia de aniversário da Tia. trabalho para o Pai. chegado a casa. enquanto a Mãmã preparava a cerimónia cheia de pompa e circunstância. isto da arte de bem receber dá muito trabalho. o Papá lá foi todo vaidoso para dar o banhinho aos dois. já não fazia isso. dar banho aos dois sozinho. desde que a Mãmã tinha regressado do Hospital. sempre passou a ser repartido. o Papá a aquecer a aguinha. verificar a temperatura. ligar o aquecimento para que nada os atormentasse. pegar no pijaminha. preparar os biberons. medicamentos. cremes. fraldas. todo esse arsenal de coisas que é preciso. a Mãmã de volta da entrada. da sopa. do prato principal. da sobremesa. e o Papá cheio de alegria por poder estar com os meninos. há muito que o banho é dado com toda a calma do mundo. mas desde que o Papá regressou ao trabalho que o aproveita para pôr a conversa em dia. conta-lhes o seu dia. quer saber do deles. e eles ouvem e falam. e mesmo que o Papá não perceba patavina do que estão para ali a dizer. e muito menos eles o palavreado complexo e estranho que ele fala. prestamos toda a atenção uns aos outros. e assim nos ficamos a conhecer melhor. enquanto estou a dar o biberon ao Bernardo e a Mãmã faz pausa na pompa circunstancial do jantar para o Francisco dou conta das figuras ridículas que um adulto faz diante de uma criança com quatro meses. que conviniente eles não se lembrarem. Deus até nisso é bom para com os homens. lembrou-se de não nos dar a memória das figurinhas de nossos Pais. seria trauma para a vida inteira. e já chegam os maus tratos. as violações. a fome. a precaridade da saúde e da higiéne com que tantas crianças vivem por esse mundo fora.
é benção que adquire cada vez maior importância esta de ser Pai. mimar é a palavra chave. por isso tantas vezes me questiono se a minha dureza e disciplina que lhes procuro impregnar desde o seu nascimento não será fardo pesado demais. ao mesmo tempo procuro não ceder à tentação do lugar comum “são crianças”. procuro a medida de todas as coisas que é o bom senso e acima de tudo aquilo que afinal nos faz quebrar perante um sorriso doce. amor. e amar não é apenas mimar. é também ralhar quando necessário.

1 comentário:

Anónimo disse...

Não pude deixar de sorrir com a parte 'mesmo que o Papá não perceba patavina do que estão para ali a dizer'... Comigo passa-se o mesmo :)