terça-feira, 28 de novembro de 2006

Diário de um Pai - Vacinas

vai chorar. vai doer. dói-nos a nós. no fim acabam por se mostrar mais homens que eu. choramingam. já chegou a nem ser isso. nada. absolutamente nada. talvez mais velhos lhes custe mais. a consciência do que vão fazer impedi-los-à de querer ir. ou pelo menos manifestarão a vontade de não querer ir.
vou desmaiar. era assim que avisava a enfermeira quando se preparava para me dar a vacina. vou desmaiar. nem olhava. não queria ver. respirava fundo. procurava abstrair-me. não abstraía. é como iman. atrai. não queria olhar. mas olhava. vou desmaiar. não vais nada. vou desmaiar. comeste? comi. vou desmaiar. irritava aquilo. tenho a certeza que irritava. vou desmaiar. já está e não desmaiaste.
na escola. dia de vacinas. não custa nada. olhava para os colegas e as colegas mais nervosos e dizia. não custa nada. procurava distraí-los. não custa nada. disfarçava com isso o meu nervosismo que só alguns percebiam. vou desmaiar. não custa nada. havia os fortes. de peito levantado. olhar de frente para a enfermeira. olhar de esguelha para as miúdas. não custa nada. havia os indiferentes. tinha de ser. não valia a pena lamentar. e como também não gostavam. não merecia levantar o peito. não custa nada. havia os que tremiam ainda antes de se levantarem da cama. vou desmaiar. não custa nada.
sorrir. no fim todos sorriam. foi dia sem uma das aulas. foi dia livre. pudemos ir jogar à bola. conversar. ler o jornal que orgulhosamente se ostentava para fazer figura de intelectual. ninguém desmaiou. não custou nada. e todos nos divertimos no fim.
não estarei lá. dói-nos mais a nós vê-los serem picados. são mais homens que nós. logo irei saber que se portaram bem. serão fortes. e eu não estarei lá para ver mais um milímetro que passa. eles contar-me-ão logo no banhinho. e eu irei ficar a saber que são mais homens que eu.

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