terça-feira, 19 de outubro de 2004

"Alfarrabices"

Olho para a estante e reencontro-me com Ruben Borba de Moraes, indiscutivelmente um dos maiores bibliófilos do mundo. O Bibliófilo Aprendiz. Um livro delicioso, cheio de pequenas histórias que nos mostram com simplicidade este mundo, tantas vezes considerado obscuro e acessível só a poucos, onde o único Rei, a única lei, o único deus, é o LIVRO. Mas não um livro qualquer, é o livro que se colecciona, o livro que mostrou pela primeira vez ao mundo a poesia de Pessoa ou os monstros de lugares longínquos e quase inacessíveis, aquele que pertenceu a determinado coleccionador como Graulier ou D.Manuel II ou onde Camilo Castelo Branco deixou as suas sarcásticas notas.
Cresci por entre os livros. Meu Pai é alfarrabista de profissão, eu sigo atrás dele. A princípio com reservas. O comércio não era para mim. Agora com paixão.
Por isso, sempre que puder, deixarei aqui gravadas algumas notas sobre livros, pessoas, curiosidades e outros assuntos relacionados com o prazer de coleccionar. Sobre esse prazer, sobre esse encanto que são os livros antigos, não posso ser eu a falar. Deus não me deu o talento para o fazer como eles, os livros, merecem. Deixo-o para quem sabe. Aqui vão três pequenos textos sobre a leitura, o livro e os bibliófilos.

"Não há talvez dias da nossa infância que tenhamos tão intensamente vivido como aqueles que julgámos passar sem tê-los vivido, aqueles que passámos com um livro preferido. Tudo quanto, ao que parecia, os enchia para os outros, e que afastávamos como um obstáculo vulgar a um prazer divino: a brincadeira para a qual um amigo nos vinha buscar na passagem mais interessante, a abelha ou o raio de sol incomodativos que nos obrigavam a erguer os olhos da página ou a mudar de lugar, as provisões para o lanche que nos obrigavam a levar e que deixávamos ao nosso lado no banco, sem lhes tocar, enquanto, sobre a nossa cabeça, o sol diminuía de intensidade no séu azul, o jantar que motivara o regresso a casa e durante o qual só pensávamos em nos levantarmos da mesa para acabar, imediatamente a seguir, o capítulo interrompido, tudo isto, que a leitura nos devia ter impedido de perceber como algo mais do que a falta de oportunidade, ela pelo contrário gravava em nós uma recordação de tal modo doce que, se ainda hoje nos acontece folhear esses livros de outrora, é apenas como sendo os únicos calendários que guardámos dos dias passados, e com a esperança de ver reflectidas nas suas páginas as casas e os lagos que já não existem”
O Prazer da Leitura, Marcel Proust.


"Falar de livros é a melhor das prosas."
O Bibliófilo Aprendiz, O Biliófilo Aprendiz

"Conheci Lucas Corso quando me veio visitar com O Vinho de Anjou debaixo do braço. Corso era um mercenário da bibliofilia, um caçador de livros por conta alheia. Isso inclui as mãos sujas e o verbo fácil, bons reflexos, paciência e muita sorte. Também uma memória prodigiosa, capaz de se lembrar em que recanto poeirento de um alfarrabista dorme esse exemplar pelo qual pagam uma fortuna."

O Clube Dumas, Artur Pérez-Reverte


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