quinta-feira, 23 de dezembro de 2004

Carta imaginária

Há muito tempo que não enviamos uma carta um ao outro. Quebro a regra recentemente estabelecida. Gosto, de quando em quando, de quebrar com as rotinas.
Pensei, primeiro, escrever-te com o pretexto de uma mensagem de Natal. Mas confesso que as mensagens de Natal me incomodam, são sempre a mesma conversa de circunstância, com frases feitas e nada originais e que, tantas e tantas vezes, não são o espelho de um sincero sentimento, antes uma espécie de “Maria vai com as outras” faladas ou escritas. Postais de Natal também não podia ser, enquadram-se na mesmíssima moda de dizer que todos estamos bem uns com os outros.
Sim, é verdade que se poderia a proveitar o momento. Não creio, no entanto, que esse aproveitamento possa ser capaz de produzir genuínas alterações de espírito. São mais o reafirmar de uma hipocrisia geralmente sentida e consentida.
Por isso não te escrevo para enviar mensagem de Natal. Não me ouvirás dizer “Santo Natal e Próspero Ano Novo para ti e todos os teus” ou “Que o melhor de 2004 seja o pior de 2005”. Escrevo apenas para te escrever. Supro assim uma falta grave no meu espírito, escrever aos amigos com profundo e sentido estado de alma que me impele para os que me amam. É quase um impulso que não consigo conter. De vez em quando ele aparece e não descanso enquanto o não fizer.
Amar é, também, dizer presente. Que melhor maneira de dizer presente que umas quantas frases desgarradas de sentido óbvio? Não conheço nenhuma outra, com excepção de todas as outras. Talvez um telefonema, uma moderníssima MMS ou a antiquíssima SMS (ainda estou para descobrir o significado de ambas as siglas - será que importa?), um café e/ou um passeio com o pretexto da prenda, um jantar num qualquer restaurante oriental onde podemos saborear aquele fantástico “sumo nananja chinês” ou um “Pato à Pequim” que de Pequim só mesmo o nome (talvez do pato também, mas também não quero saber) ou um simples encontro no adro da Igreja para uma saudável troca de olhares cúmplices, mas não muito. Tudo para uma conversa de circunstância “Estás bom(boa)?” ou, à brasileira, “Tudo bem contigo?”, “A família?”, “Então adeus! Santo Natal e Bom Ano Novo!”.
Quero muito mais que isso, e o muito mais que isso solta-se num voar de dedos pelas teclas de um qualquer teclado onde quer que ele esteja. Aqui, na China, no Japão, nos Estados Unidos da América do Norte, na Índia, no Cazaquistão a solidão combate-se conversando com o eternamente ouvinte e sempre calado teclado. Depois esperamos que um vírus se abata sobre nós, que não haja qualquer cura já encontrada nos médico-programas, e tudo se vá tal como veio – depressa. Sempre é melhor sorte para um ficheiro que o delete, muito mais voluntário, logo terrivelmente assustador para a consciência bem formada que possuimos. Este sentimento estranho de querermos o que não queremos, de nos dedicarmos horas a fio a uma escrita cuja sorte está ao acaso de uma tecla – o delete – é estranha. Acontece recorrentemente e nada há que possamos fazer. Pergunto-me como fariam os antigos. Atirariam o papiro ao fogo dos deuses? Raspariam o pergaminho para que pudesse ser usado novamente em qualquer outra carta bem mais importante? Ou simplesmente não viviam sós, mortinhos por afogar a penosa solidão numa qualquer carta? Não tenho resposta ou não a quero encontrar.
Concluo: somos sós acompanhados por uma multidão. Contradição absoluta, mas paradoxalmente verdadeira. Perdemos a capacidade de conversar uns com os outros. E os outros passam por nós, vivem em nós e depois desaparecem por circunstâncias que não controlamos e que, vá-se lá saber porquê, existem. Porque existem os esposos? Porque existe a noção de espaço e tempo? Porque sentimos o espaço como o mais grave impedimento? Porque existe tempo e o olhamos como algo que acaba instataneamente? Existem porque existem, nada posso fazer. Excepto escrever-te, a ti, amigo que já foste.

P.S.: Santo Natal e que o melhor de 2004 seja o pior de 2005.

4 comentários:

Anónimo disse...

MMS - Medium message service
SMS - Short message service
devido ao numero de caracteres disponíveis.

Nuno Gonçalves disse...

Obrigado pelo esclarecimento. Realmente não fazia a mínima ideia o que queriam dizer.

Anónimo disse...

O verdadeiro significado de MMS é "Multimedia Messaging Service". O primeiro M não tem nada a ver com o tamanho da mensagem...:)

Anónimo disse...

hello